By João Rita; Jornal a Página da Educação , ano 16, nº 165, Março 2007, p. 31.
O papel dos jornais
Volto aos pavilhões (7 e 9) da ARCO (Feira de Arte em Madrid em 2007) para descobrir, na Galeria Herrmann & Wagner, de Berlim, uma nova vocação para o papel dos jornais, no caso por via de uma instalação de Maria & Natalia Petschatnikov, duas gémeas de São Petersburgo, vinte anos mais novas do que eu, nascidas em 1973. Chama-se "paperwork" e é uma instalação realizada com papéis de jornal – "material extraordinariamente efémero, portador de informação", nas palavras das próprias artistas.
Desenvolvido numa localidade catalã – El Bruc –, onde as duas irmãs estiveram durante um mês, esta instalação serve-se de papeis de jornais escritos num idioma que as artistas não conhecem para criar um cenário de ficção que suporta uma estranha conversação entre dois personagens que, supostamente, utilizam o mesmo aparelho telefónico, uma cabine pública que, aos nossos olhos de proprietários de múltiplos telemóveis, já parece um aparelho antigo de irreversível incomunicabilidade.
Ironicamente, o papel dos jornais parece ser, aqui, o da promoção ou o do veículo de uma incómoda e desconhecida incomunicabilidade, mesmo considerando que a própria instalação parece absorver e ocupar a totalidade do espaço (como acontece com a comunicação) sem, no entanto, estabelecer uma relação mutua entre os personagens que protagonizam a situação criada.
De tudo isto, destes dias em Madrid para uma feira como a ARCO, só não sei por que razão guardei na memória desta viagem esta instalação das irmãs Petschatnikov. Talvez por ainda acreditar no primado da cultura bibliográfica, isto é, em certas palavras impressas em papel, nem sempre escritas para servirem de ópio.
(Correio da Lapa a artistas já com lança-chamas: continua pelos próximos dois postes a gás)