Entidades criticam ampliação de crimes hediondos
(Correio da Lapa comenta curto e grosso o artigo abaixo: senadores estão pirando. Até falsificar sanduíche vira crime hediondo. Eles querem votos. Todo crime é feio. Hediondo é querer ganhar voto com empáfia retórica sem atacar, concretamente, a bandidagem no próprio plenário. Quem foi aquele humorista que, perguntado se era a favor da pena de morte, respondeu: sim, mas apenas para aplicar em casos de corrupção política de congressistas? By Alfredo Herkenhoff)
Por Filipe Coutinho
Audiência pública nesta quinta-feira (9/7/2009) na Comissão de Constituição e Justiça do Senado demonstrou que há uma distância grande entre as vontades do legislador e as opiniões da comunidade jurídica. Representantes da advocacia, magistratura, Defensoria Pública e Ministério Público foram unânimes em criticar as diversas tentativas dos políticos de aumentar o número de crimes considerados hediondos. Há projetos dos mais variados, que tornam crime hediondo de corrupção à falsificação de alimentos.
O advogado criminalista e conselheiro da OAB Alberto Zacharias Toron disse que há uma banalização dos crimes hediondos. “Quando pensamos em crimes hediondos, pensamos no que é asqueroso. O que não podemos é banalizar. É preciso parcimônia porque nenhum crime é adorável”, afirmou. Toron observou que leis mais rígidas não diminuem a criminalidade. “Quem está na criminalidade está se lixando se a pena é de dois ou dez anos. O que incomoda o bandido é a eficácia do sistema e da polícia. Não é o simbolismo da lei.”
Os procuradores também são contra a ampliação do rol de hediondos. “Crime hediondo é um crime que afeta um número enorme de vítimas. Não são crimes quaisquer. Banalizar essa expressão faz mal ao Direito Penal e ao combate dos crimes maiores”, disse o subprocurador-geral da República Eugênio Aragão, representante da Associação Nacional dos Procuradores da República.
De escravidão a peculato
Tramitam na CCJ do Senado nove projetos de lei que querem tornar hediondo os crimes de peculato, corrupção passiva ou ativa, inserção de dados falsos em sistema público de informações, trabalho escravo, adulteração de alimentos e a corrupção de menores. É a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XLIII, que cria a figura do crime hediondo e determina que é inafiançável. A Lei 8.072/90 define quais crimes são considerados hediondos, entre eles tortura, tráfico de drogas, terrorismo, estupro e latrocínio.
As propostas comprovam que os políticos movem-se ao sabor da opinião pública e crises passageiras. Um exemplo é o PL 739, do senador Romeu Tuma (PTB-SP), apresentado em 2007, quando o país vivia uma crise com a falsificação de leite. Tuma resolveu então propor que o crime seja hediondo como forma de coibir novos casos. “Os fabricantes, para aumentar o volume e disfarçar as más condições de conservação, alteraram a composição e acrescentaram peróxido de hidrogênio e soda cáustica, tudo em busca de um lucro alto e fácil. Crimes como esse, que atentam contra a saúde pública e colocam em risco a vida, sobretudo de crianças indefesas, devem ser tratados com o máximo rigor”, escreveu o senador na justificativa do PL.
O presidente da Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Marcelo Dornelles, defendeu que, para a inclusão destes novos crimes, é preciso mudar o conceito de crime hediondo. “Temos que repensar o viés. A lei foi pensada para combater graves ameaças à pessoa. Me parece que podemos mudar esse perfil para punir crumes que prejudiquem a sociedade de maneira difusa”, afirmou.
O representante da Defensoria Pública, Rafael Alves, defendeu que as penas para os corruptos podem ser melhoradas. “Por que não reforçar a perda de bens? A prisão não é contra motivacional para os que querem ganhar um grande volume de dinheiro. Se a pena causar o empobrecimento, o criminoso vai refletir sobre o custo-benefício da corrupção”, justificou. Alves disse ainda que é uma contradição propor penas mais severas. “Qualquer medida que proponha aumento de pena deve ser conjugada com a situação das penitenciárias. Me causa espanto proporem aumento de pena e reclamarem das condições das cadeias.”
O raciocínio foi complementado pelo vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Cláudio Luiz Braga Dell'Orto, que defendeu que o Estado dê mais atenção à ressocializacão dos criminosos, e não à punição. “Estamos discutindo agravamento de penas quando a Constituição pede para encontrarmos a harmonia na ressocialização dos egressos do sistema prisional.”