segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Flamengo, hexacampeão em Cachoeiro

Correio da Lapa
nas Asas do Flamengo

VENCER VENCER VENCER
Passei 48 horas em Cachoeiro de Itapemirim, a cidade capixaba onde na década de 1920 o historiador Sérgio Buarque de Holanda (Chico Buarque é filho dele) viveu por 11 meses, coisas de Raízes do Brasil. Mas será que o Meu Pequeno Cachoeiro é mesmo uma cidade capixaba? Não. A cidade é a mais rubro-negra do Brasil, é carioca. As horas que antecederam o match do hexacampeonato nacional mostraram a terra de Roberto Carlos em ritmo de passagem do ano, foguetes, morteiros excitando a imaginação de seus 200 mil habitantes. Guardando as impossíveis proporções - a população do Brasil de quase 200 milhões e cerca de 33 ou 35 milhões de flamenguistas - Cachoeiro não tem apenas cerca de 35 mil torcedores rubro-negros. Não há pesquisa, mas o sentimento empírico é inegável. Cachoeiro, além de uns 70 mil seguidores da Nação, exibiu nessas 48 horas muito churrasco, tempo nublado, pancadinhas de chuva, enchente no Rio Itapemirim, confraternização, dinheiro no bolso por ser início de dezembro e milhares de torcedores de Fluminense e Botafogo. A vitória do Mengão foi merecida e resultou em carnaval. Rubem Braga, que adolescente aprendeu a ser cosmopolita com Sérgio Buarque, apelidado de Dr. Progresso em Cachoeiro, dizia em Marataízes: "Janeiro, grande mês de janeiro, e como mês que vem é carnaval...". Pois o Flamengo surpreendeu o lirismo romântico do velho jovem Rubem e inventou o carnaval de dezembro. Palavras não bastam para descrever o que o futebol do Rio de Janeiro representa para Cachoeiro de Itapemirim. Cidade grande, nome pequeno, cidade pequena, nome extenso. Cachoeiro, por seu amor ao futebol carioca, mantém-se mais ligado afetivamente ao Rio de Janeiro do que à capital capixaba, Vitória. São efeitos longevos da linha de trem, que ligava diariamente a pequena cidade no sul do Espírito Santo à então capital federal. A Leopoldina, a RFFSA, as lembranças, o trem subindo a serra, bordejando o Caparaó, passando por Jerônimo Monteiro (ex-Sabino Pessoa), Alegre, Rive, Guaçuí. O Flamengo antigo chegou também a esses rincões via ondas curtas das emissoras de rádio do Rio de Janeiro ajudando a integrar o Brasil. Trem, rádio, Flamengo, agropecuária, mármore, terra de artistas, muitos, em proporção avassaladoramente maior do que artistas nascidos em outras regiões do Brasil. Cachoeiro do saudoso botafoguense Sérgio Sampaio botou o bloco na rua. Tricolores gritaram Fred e Conca. Alvinegros, Jóbson. E nós, a maioria feliz, Adriano, Angelim, Bruno, Andrade, Leo Moura, Juan, Pet, Aírton, Toró, todos aclamados por terem nível de Seleção de Futebol do Brasil. Na próxima decisão, se você quiser experimentar festejos com algo mais do que brigas e vandalismo como as cenas do Rio de Janeiro e Curitiba, tente o interior do Brasil. Não que em Cachoeiro não tenha havido brigas de rua, na euforia da biritagem a mil por hora, mas foi uma beleza de momento, sem sombra de dúvida. A Fifa, em seu site, escreveu que o Flamengo conquistou o hexa. Com isso, no calor da crônica, a Fifa superou o aspecto formal e burocrático da CBF, a única entidade que ainda projetava dados como se o Sport do Recife fosse o máximo da Taça União com a Fita Verde ou a Fita Amarela, como se um tal cruzamento impossível de módulos pudesse interromper a realidade e a qualidade dos títulos do Flamengo. O Botafogo que no domingo massacrou o Palmeiras, retirando-o da Libertadores de 2010, não surpreendeu. É o mesmo glorioso que nos últimos dias venceu o Internacional e o São Paulo. Ah! Os nossos clubes cariocas estão mais capixabas do que nunca, no sentido do método confuso de compreender uma pequena unidade da Federação que jamais deu uma única vez sequer um único time para o Campeonato da Série A, ou primeira divisão. O Sul do Espírito Santo é um lugar absolutamente carioca, tem ligação direta com a Cidade Maravilhosa. Cachoeiro ignora Vitória ao Norte e ignora ao Sul a feia cidade de Campos, onde nasceu Jece Valadão. Seu pai era ferroviário e numa transferência da vida o grande ator e produtor, ainda criança, virou cachoeirense "cacá", de capixaba-carioca. Aliás, dias atrás, o filho do ator esteve em Cachoeiro para anunciar a doação do acervo do pai ao Cinceclube Jece Valadão. Jece, cosmopolita, rodeado de belas mulheres, de gente do society, do primeiro escalão, nunca deixou de cultivar o amor pelo torrão matuto. E no balanço da memória campeã, informar que, na noite anterior à vitória do Flamengo, Dona Mery Herkenhoff comemorou, no day after do Dia de Santa Bárbara, os 82 nos de idade. Presentes na festa, na Avenida Beira Rio, os filhos Paulo, Alfredo, Augusto, Antônio, Tarcísio, Marta, Dina e Magda. No cardápio, saudades, Cachoeiro e Flamengo até morrer...
Por Alfredo Herkenhoff
Foto do domingo de festa na Rua São Clemente, Botafogo, Rio, by Ed Sartori