Brasil bate o Egito com pênalti "soprado" de fora no último minuto
O juiz no gramado é parte insubstituível do drama
Uns 40 milhões de brasileiros vendo a Seleção na TV nesta segunda-feira na África do Sul. Tudo bem, placar de 3 a 1, mas, de repente, os egípcios fazem dois gols em um minuto. Parecia que tinha baixado um caboclo rubro-negro na zaga de craques como os ex-da casa Juan e Julio César. O jogo no 3 a 3 ficou difícil. No fim, pênalti apitado com atraso, supostamente com ajuda ou orientação ao árbitro vinda de fora das quatro linhas, via rádio que havia um ponto na orelha do inglês de preto. O Egito ameaça reclamar junto à Fifa pela marcação. Galvão Bueno saudou a marcação como algo extraordinário, um avanço, uma modernização no futebol tão avesso a mudanças bruscas. Será que foi avanço?
Correio da Lapa, notícia comentada.
Por favor, Galvão Bueno, nada de pressionar a Fifa para mexer na regra
Regra estável, futebol bom. O esporte mais popular do mundo é tão bom que suas regras não precisam mudar e não mudam, aliás, quase não mudam. O basquete às vezes é tedioso porque parece que nele há mais juízes, fiscais de mesa e novas regras do que prazer, numa interferência só comparável com a velocidade da sucessão das cestas.
O futebol é um esporte democrático em que o talento de cada jogador não depende de sua compleição física. No boxe, os contendores têm pesos semelhantes. No vôlei, são todos altos, mas não se chocam. No futebol há o contato físico, mas os baixinhos sempre deram show. O grandalhão nem sempre ou quase nunca impõe a sua força. É o esporte mais popular do mundo por respeitar as características físicas dos diversos povos, sem que o potencial de cada um seja prejudicado por tamanho, peso, força ou dieta nutricional.
No futebol, até os juízes, embora não vistam camisa de jogador nem tomem partido na contenda, fazem parte do espetáculo e podem ter bom ou mau desempenho, a exemplo dos craques que, em jornada infeliz, atuam como cabeças-de-bagre. Assim como o grande artilheiro perde pênalti, o melhor juiz o inventa ou deixa de marcá-lo. Tudo será aceitável se não houver má-fé. O juiz cansado também é artista do drama. Tem crises psicológicas em meio à massa e os seus sentimentos de alegria, tristeza e furor.
O futebol talvez seja o único esporte em que o juiz bufa tanto quanto os jogadores. E apesar de tantas falhas de arbitragem (agora mais gritantes porque a TV as documenta, mostra de perto e as repete), o esporte sai engrandecido porque quase sempre o melhor vence, não importando as exceções. É só olhar para a história: os grandes times estão cobertos de glória, glória forjada num tempo de regras estáveis.
E assim vão ficando claros os motivos que a Fifa tem para não se deixar levar pela febre de mudanças nem sucumbir ante a tecnologia. Na era digital, o futebol ainda é o rude esporte, circo de emoções inexplicáveis, violentamente civilizadas.
É maravilhoso ver o futebol como uma disputa que pode ser longa e catimbada, como a vida. E a vida pode ser curta e atribulada como os lances de sorte e azar que a cercam. O futebol fabrica instantes precedidos de luta árdua, com tática e estratégia, garra e técnica. Às vezes vive instantes de pura sorte, mas que permanecem na explosão do gol. O futebol valoriza o gol, o ponto da vitória, sem banalizá-lo. O gol é como um filho único, todo filho é único, incluindo os gêmeos, o gol é um desejo muito mais forte do que frustrações com regras que são ruins para todos, dentro e fora do campo. Mexer nas leis do jogo é tirar a importância dos gols, recentes e do passado. Deixem portanto o futebol em paz porque o torcedor conhece a guerra. Ela é feita de novos craques e velhas regras.
Sorry, Galvão Bueno, mas por favor nada de botar fogo nessa ideia de interferir na arbitragem com tecnologia nas quatro linhas. Olha o vôlei, uma partida antes durava até quatro horas, como no tênis, mas, agora, para satisfazer exigência das grades de TV, cada set dura 25 minutos, toda bola no chão é ponto, nada mais de confirmar o serviço. Sim, o esporte avançou, o Brasil é potência hegemônica até, mas o vôlei perdeu charme por perder o travo amargo da história, o padrão das comparações como no futebol e no tênis.
Antigamente, uma partida de 14 a 8 virava, em mais de uma hora. Um drama incrível. Hoje é tudo rapidinho, tipo sexo de coelho com coelha...
E a tecnologia serve também para enganar. Na França, em 1998, todo mundo chiou com o pênalti que o juiz marcou, cometido por Junior Baiano. Galvão Bueno foi quem chiou mais, Mas, 24 horas depois, a TV da Suécia, que tinha num cameramen de olho fixo apenas no filmagem do atacante norueguês Flo, mostrou que documentara sozinho a porrada que o nosso zagueiro deu no ar fora do lance da bola que vinha do corner. Pouca gente viu a agressão: o brasileiro, o juiz e o cinegrafista sueco. Galvão, com a classe de sempre, se desculpou no day after.
Deixemos a regra do mais popular em paz. O juiz sim não é obrigado a ver tudo, mas no que viu ou ouviu que foi, apita. Não comete erro mesmo quando erra, se honesto for. Se a ajuda veio de fora aos 45 do segundo tempo contra o Egito, se veio só como um papo, talvez seja tolerável, mas já é um perigo. Se foi uma ordem, temos um desastre na Copa das Confederações de 2009, porque de fora pode vir mais porcaria do que de dentro, A imagem não é tudo, também engana, e como engana.
Por favor, senhores da Fifa, mantenham o ridículo dos juízes. Eles ajudam a tornar o futebol sempre mais emocionante.
By Alfredo Herkenhoff