quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Carta de Floriano Pesaro sobre Holocausto

Dia Municipal em Memória às Vítimas do Holocausto


Por Floriano Pesaro, vereador e autor da Lei 15.059

O calendário judaico é uma lição de História: Pessach conta sobre o
Êxodo do Egito; Purim conta sobre os judeus na Diáspora (sob jugo do
Império Persa); Sucot relembra sobre os 40 anos no deserto; Iom
Haatzmaut comemora a história da criação do Estado de Israel. Se o
povo judeu é denominado o Povo do Livro, pode também ser considerado o
povo da História. A memória é parte integrante da sua identidade e
elemento fundamental de sua continuidade.

Elie Wiesel sempre admirou a resiliência do povo judaico. Wiesel, o
“mensageiro para a humanidade”, considera que a persistência
multimilenar deste povo deve-se ao seu desejo característico de
lembrança. A Hagadá de Pessach frisa a necessidade de recordar e
manter viva a memória coletiva: “ve higadetá le binchá“ e contarás a
teu filho". Na mesma narrativa, adiante, o texto recomenda de forma
veemente: “Em toda geração deve o homem considerar a si mesmo como se
tivesse saído do Egito”.

Pois bem, a tradição nos ensina a contar e sentir a história da
escravidão, para que não sejamos mais escravos. Consequentemente, só
poderemos evitar outro Holocausto se nos dedicarmos a propagar a
lembrança daqueles que sofreram com a atrocidade nazista.

Minha família também foi vítima dos horrores da Guerra. Em abril de
1939, meus avós judeus (Humberto Pesaro e Gabriela Cohen Pesaro)
tiveram que partir às pressas da Itália e embarcaram no primeiro
navio, com meu pai, Giorgio, na época com 3 anos de idade, nos braços.
Outras famílias Camerine, Muscati e Bolafi também vieram para o
Brasil. Todos já sofriam com as leis raciais na Itália, como mostrou
em seu livro “1938 – um raio de céu azul. As leis raciais na Itália” a
escritora Edda Bergman, que por sinal veio no navio com o meu pai. A
perseguição aos judeus foi implacável. Não é possível esquecer.

Hoje, aqui, eu, a comunidade judaica e políticos de bem como o
Prefeito Gilberto Kassab viemos para fazer valer a História, para mais
uma vez exaltar a necessidade de recordar, estamos aqui para que
nossos pequenos, nossos jovens e nossos adultos tenham dias
demarcatórios que os façam lembrar até onde a loucura de uns e a
indiferença de muitos podem levar a Humanidade.

Hoje viemos comemorar o caráter cosmopolita de nossa cidade São Paulo,
que se insere nos propósitos das Nações Unidas, determinando
oficialmente uma data, o 27 de Janeiro, como Dia em Memória às Vitimas
do Holocausto.

Nada mais pertinente do que escolher o dia 27 de janeiro como o Dia em
Memória às Vítimas do Holocausto. Foi nesse dia, há quase 65 anos, que
ocorreu a libertação de Auschwitz e foi, a partir da libertação dos
campos de concentração, que o mundo começou a ter noção da enormidade
da barbárie cometida.

É no aniversário desta libertação que nós devemos lembrar
especialmente das vítimas deste período de exceção e de loucura
humana, em que a razão deixou de existir. É a recordação da
bestialidade, através de suas imagens, testemunhos e eventos
comemorativos como este que sancionamos hoje, que será o veículo para
evitar que as pessoas esqueçam.

Quando o Supremo Comandante das Forças aliadas, General Eisenhower,
encontrou as vítimas dos campos de concentração, ficou absolutamente
estupefato pelas cenas inimagináveis de desumanidade e então
determinou como fundamental o registro da tragédia, para que a memória
se eternizasse.

Ele disse:

"Que se tenha o máximo de documentação - façam filmes - gravem
testemunhos - porque, em algum momento ao longo da história, algum
idiota vai se erguer e dizer que isto nunca aconteceu".

A comunidade judaica, vítima primordial deste episódio da erosão da
humanidade, tem sido incansável em fazer lembrar ao mundo o desastre
do Holocausto. Quando teve que conciliar a enormidade da barbárie para
tentar explicar a inexplicável morte de 6 milhões de judeus no período
da nacional-socialista, o amargo sentido dessa verdade impulsionou
esta valente comunidade a buscar um caminho.

Foi então que o compromisso bíblico para com a lembrança ganhou ainda
mais significado. A lembrança do Holocausto, os relatos e depoimentos
dos sobreviventes, o registro de todas as vítimas, este é o caminho
para que honremos os sacrifícios acontecidos.

Hoje, reafirmamos que SIM, vamos fazer o possível e o impossível para
que TODOS lembrem e conscientizem o mundo. Só assim poderemos prevenir
uma próxima tragédia de proporções outrora inimagináveis.

Pelos milhões assassinados nos guetos e nos campos de concentração.
Pelos que vagaram pelos bosques e pelos que se esconderam em sótãos e
em porões.

Pelos que buscaram refúgio no seio de outra religião ou pelos que
esqueceram seu Deus. Pelos que perderam sua casa, sua dignidade e sua
esperança.

Pelos que foram enforcados publicamente para que todos vissem e
temessem. Pelos que foram sujeitos a experimentos nas mãos de bestas
selvagens chamadas de médicos ou cientistas.

Pelos que morreram de fome e de sede, sufocados até a morte em vagões
de carga ou nas câmaras de gás, mortos a tiros, enterrados vivos, ou
cremados.

Pelos que santificaram o nome de Deus e do povo de Israel,
recusando-se a se render, lutando até a morte. Pelos que permaneceram
vivos para reviver os horrores, dia a dia, momento a momento.

Hoje, viemos dizer NIZCOR! Nós nos lembraremos das vítimas de ontem
para que não existam mais infames genocídios no amanhã.