Imperador Adriano teria sido visto cantando na favela:
"Se essa rua, se essa rua fosse minha..."
Por Alfredo Herkenhoff
Adriano, não o Imperador de Roma, mas o atacante que trocou Milão pelo Morro do Alemão, é um dos temas mais recorrentes nas rodas de papo desse imenso Brasil. Ao ser dado como desaparecido, por não ter retornado à Itália no dia 2 de abril, o Imperador Adriano apenas repetiu o que vem fazendo desde a derrota do Brasil na Copa do Mundo na Alemanha. Muito se dizia que o jogador estava deprimido com a morte do pai e com uma "desilusão amorosa". Na crise mais recente, em que como um adolescente rompeu as regras da família, rasgou o contrato e caiu na gandaia ou numa triste nostalgia com os amigos sobreviventes da infância no morro, Adriano despertou novas versões na mídia e nas rodas de samba sobre as causas de sua estranha atitude.
A interpretação psicanalítica entrou em cena: Adriano não era feliz em Milão apesar de um salário estimado de R$ 400 mil por mês. No complexo do Alemão, Vila Cruzeiro e outros morrotes, a operação da polícia contra narcotraficantes, um ano e meio atrás, matou cerca de 60 pessoas em três meses. Apesar do PAC da ministra Dilma Rousseff, armas de grosso calibre continuam lá. E Adriano, o imperador de milhões de reais, transita por aquelas ruelas de sunga e uma estranha alegria, na carona de uma moto com um amigo do peito, mas suspeito de sempre aos olhos preconceituosos do asfalto. Diverte-se, ri e chora, emociona-se sem risco algum de ser sequestrado ou roubado. Porque o Morro do Alemão, se para muitos pobres se assemelha a um inferno, para o jogador talvez represente o paraíso da infância reencontrada. Outras teorias falam de metamorfose, de busca de indentidade perdida, de um grito inconsciente contra as pressões da globalização, contra a pressão para ser sempre o vencedor. Há especulações de que Adriano encarna um protesto contra o lado mais desumano das regras de marketing no futebol globalizado.
Na Itália, Adriano é imperador na mídia e na metáfora do torcedor, mas na realidade cotidiana é um pária do Terceiro Mundo, um gladiador, sem status algum, é apenas o mais forte, o bobo da grande área. Só vale pelos gols, não tem status de nada, socialmente é um zero à esquerda. Desconhece a história da Itália. Já lhe disseram quem foi o Adriano em Roma, mas nem sabe que o senador romano Cícero dava aulas para o grande império da época dizendo: quem desconhece história permanece criança.
Outros dois jogadores que fracassaram na Alemanha, os dois Ronaldinhos, também passaram por problemas sérios de depressão e cachaçada, esta tendo sido uma das causas do desligamento do Gaúcho com o Barcelona. Talvez seja mera coincidência, talvez seja o caminho para se compreender de forma mais simples o que está levando Adriano a abdicar do império de admiradores e se tornar simplesmente o Dria da boca de fumo.
A ex-namorada de Adriano aproveitou o momento midiático e deitou falação. O ex não usa droga, só bebe. E ela foi várias vezes tirá-lo do morro a pedido da mãe que costuma dizer que morre de medo de Caveirão. A mãe de Dria não tem medo dos narcotraficantes, mas do Caveirão que às vezes surge provocando conflitos que, quase sempre, redundam na morte de crianças e velhos inocentes, pobres e menos ágeis do que a malandragem armada mal saindo da adolescência.
Do ponto de vista da comunidade, da sensação de insegurança, a incursão dos agentes da lei se assemelha à entrada da morte na favela. Do ponto de vista instintivo diante do perigo da guerra urbana, os policiais são sentidos como se fossem piratas atacando a nave louca encalhada no alto do morro, o ninho encalhado de fuzis que a Polícia Federal deixa entrar no país de contrabando. Os policiais militares não são sentidos como representantes do estado democrático. Este sentimento deturpado talvez decorra da tranquilidade de muitas favelas das grandes cidades quando não há a presença repentina da polícia.
O presidente Lula, o PT, o governador Sérgio Caral, sociólogos e obervadores em geral sabem que o tráfico presta serviços mínimos e impõe a lei na marra nessas áreas carentes. Por isso o governo com o PAC tenta levar não mais apenas a polícia, mas os serviços sociais. Só que apesar de verbas vultosas do PAC, o programa de geração de qualidade e renda abrange poucas comunidades. No Rio de Janeiro, por exemplo, só o Complexo do Alemão, Manguinhos, Rocinha, uma favelinha aqui ou ali na Baixada, e mais nada. Ou seja, abrange cinco ou seis favelas num universo de cerca de 800 comunidades desassistidas.
Dria, ao mergulhar nas próprias raízes, talvez esteja, inconscientemente, botando o dedo na ferida das históricas mazelas sociais das grandes cidades. A grande mazela é a miséria. E Dria leva o tema das comunidades carentes para a mídia internacional. Ele desistiu de fazer sucesso nos gramados perfeitos da Europa? Parece que seu individualismo, ou doença, é impor a própria vontade de ser feliz de forma irracional, sem medir as possíveis consequências de seus atos. É doença? Arrogância? Irresponsabilidade? Maluquice? Beleza não é. Mas há males que vem para o bem.
Adriano e os dois Ronaldinhos não são jogadores tão completos como um Pelé ou mesmo um Kaká. Fenômeno não sabe cabecear. Marcou meia dúzia de gols com a testa na carreira, ou um pouquinho mais. Adriano não chuta nada com a perna direita. Gaúcho tem síndrome de pagodeiro de Seleção. Os três são fora de série sim, mas não tiveram tempo para compreender que o inferno não são os outros. Adriano, na rápida passagem pelo São Paulo, atrasou-se para os treinos e agrediu fisicamente um fotógrafo talvez porque apenas estivesse de mal humor ao chegar atrasado. Se soubesse chutar forte com a perna direita talvez fosse mais moderado e evitasse tantas jogadas desastradas. Ronaldinho, se tivesse cabeça, não deixaria que um travesti visse e anunciasse o que ninguém sabia: uma tatuagem na altura da virilha do Fenômeno.
Os três se assemelham em seus piores momentos a três patetas, exibindo-se publicamente em situações ridículas. Sentem-se acima do bem e do mal? Querem compensar com raiva a raiva de terem perdido a Copa de 2006? Se espelham em Romário? O único jogador de tempos recentes que treinava pouco porque treinara muito desde a infância mais tenra? Os três precisam treinar mais, ganhar condição física e cumprir os contratos. Os três correm o risco de não serem chamados para o Mundial da África do Sul, não porque sejam malandros biriteiros e pagodeiros fora do período de treino e concentração para os jogos. Correm o risco porque estão fora de forma e não dão sinais de que serão mais competitivos do que os novos nomes que a todo momento surgem no futebol brasileiro e ganham oportunidade com Dunga. Os três padecem de falta de estabilidade. No caso de Gaúcho, é curioso que seu irmão mais velho ganhou alguma grana com o futebol e ajudou a família. Gaúcho ascendeu cedo com a grana do futebol.
Claro que esses craques fazem esforços, como agora faz Ronaldo no Corinhtians, mas ele continua gordo... Claro que Adriano pode abrir mão do salário que nunca mais passará fome. Pode se aposentar precocemente e beber a fortuna inteira em poucos anos. Pode virar folclore. Só não pode tirar onda com as cláusulas dos contratos de trabalho.
Jogador de futebol, como os bailarinos e os atletas olímpicos, não podem encher a cara por aí como podem os poetas, os cantores, os músicos, os escritores, os jornalistas e os internautas. Tá doidão? Fora de forma, chegando atrasado, sem ritmo de jogo? Então é rua. Jogador de futebol é como motorista de táxi ou piloto de Boeing. Não pode ficar bêbado. Farra é só depois que se aposentar.
A rua onde Dria foi visto seminu na favela ninguém sabe nem o nome nem o dono. Mas rua por rua, melhor é se essa rua fosse minha. Aquela lá....Nem o Lula entra sozinho. O lugar lá já tem um autêntico e feliz proprietário. Talvez já vá ser batizada de Rua do Último Imperador.