O texto abaixo, avistado pelo Correio da Lapa no Estadão, mostra que Hugo Chávez espanta o dinheiro - não atrai investimentos - e, diante da degradação crescente da economia, convida assessores militares cubanos para fazer da Venezuela uma ilha sul-americana com 100 mil metralhadoras de censura e ilusão.
O arrimo de Chávez
Estado de S. Paulo
Numa de suas visitas a Havana, em 2005, Hugo Chávez ouviu do então ditador Fidel Castro que Cuba e Venezuela eram "uma nação única". "Com uma única bandeira", reforçou o caudilho. "Somos venecubanos", arrematou Fidel. O episódio, lembrado pela revista britânica The Economist na edição desta semana, não foi apenas uma efusão retórica. Desde então, o entrelaçamento entre a longeva tirania castrista e o regime bolivariano em marcha batida para o totalitarismo tem ido muito além da venda de 100 mil barris diários de petróleo venezuelano para Cuba a preços subsidiados e do envio de cerca de 30 mil médicos cubanos e outros profissionais da saúde para a Venezuela. Com a crise devastadora em que o chavismo mergulhou o seu desafortunado país, chegou-se a uma situação paradoxal: a quarta economia da América Latina passou a depender cada vez mais do falido sistema da ilha caribenha.
Cuba, onde os apagões fazem parte do cotidiano, assumiu o comando da comissão nomeada por Chávez para gerir a "emergência elétrica" venezuelana - a escassez de energia que ele atribui à estiagem para disfarçar o descalabro e a falta de investimentos no setor. Pelo menos essa é a versão oficial para a ida a Caracas do veterano compañero de Fidel e número três na hierarquia de Havana, o comandante Ramiro Valdés, de 77 anos. Mas a sua experiência não reside no campo energético: ele é responsável pelo controle do acesso à internet na ilha. "O cubano com certeza é um especialista", ironizou o jornal espanhol El País, em editorial publicado na última terça-feira, "mas em repressão generalizada, o que demonstrou na sua passagem pelo Ministério do Interior, entre 1961 e 1969, e, desde 2006, como censor." Valdés, segundo testemunhas, participou de reuniões com altas patentes militares venezuelanas.
Comenta-se, a propósito, que a renúncia do ministro da Defesa e vice-presidente, coronel Ramón Carrizáles - um dos 5 membros da cúpula do governo da Venezuela que foram destituídos ou deixaram os seus cargos nas últimas semanas -, teria sido um protesto contra os planos de Chávez de instalar generais cubanos em postos estratégicos do Exército venezuelano. Ele precisa de toda a ajuda que Cuba possa lhe oferecer - para reforçar o Estado policial que vem montando há 11 anos e dar um semblante de eficiência à deteriorada administração pública venezuelana. No primeiro caso, a expertise cubana é inquestionável. Funcionários despachados por Havana cuidam, por exemplo, da modernização dos serviços de registro comercial e civil no país. Decerto o objetivo é usar esses registros na montagem de um sistema de controle e vigilância social. Cubanos também ocupam espaço nas agências de imigração e controle de passaportes.
Os setores petroleiro e petroquímico "estão completamente infiltrados" pelo G2, o serviço secreto castrista - montado pelos soviéticos à imagem e semelhança da KGB -, denunciou no ano passado o sindicalista Froilán Barrios, da Confederação dos Trabalhadores Venezuelanos. Na área da construção pesada, os agentes cubanos não permitem que os operários se organizem. O principal consultor da academia venezuelana de polícia é também cubano. A repressão às emissoras privadas de TV tem o dedo de Havana. Em Ministérios como os da Saúde e Agricultura, os "conselheiros" cubanos mandam mais que os funcionários venezuelanos. Dados estatísticos seguem para Havana antes de chegar ao conhecimento do governo. O próprio Chávez só ficou sabendo do fechamento de milhares de postos de saúde básica na Venezuela quando Castro lhe contou.
Tudo indica que quanto mais se agravar a situação do país, tanto mais Chávez o abrirá para os cubanos. E não há um único indicador de melhora. O quadro é de estagnação combinada com a pior taxa de inflação no Hemisfério. A mais recente onda estatista - atingindo desta vez os supermercados - apenas assegura que o desabastecimento persistirá. A ofensiva contra o setor seguiu-se à adoção do câmbio duplo no país (US$ 1 vale 2,6 bolívares para os gêneros de primeira necessidade e 4,30 para os demais produtos importados). Chávez alegou o descumprimento da tabela para fechar a rede Éxito. Embora o caudilho ainda seja aprovado por 58% da população, o seu prestígio está em queda. Ele só tem a dar mais demagogia - "Eu sou o povo", disse há pouco - e mais repressão.