segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A Jiripoca Anti-Lula de Caetano Globodependente

Editorial de um Carnaval da Estética
Ou
De como o Correio da Lapa recolhe cacos e cacoetes nas ruas de João do Rio


O computador está fazendo, já em seus primórdios, grande concorrência com a televisão. No fundo do poço, as principais TVs abertas do Brasil estão exibindo maciçamente um tipo de música que denigre a tradição tão rica da MPB. Quando Caetano Veloso, na virada do milênio, defende a menina Sandy e grupos de pagode, vale a pena lembrar dos anos de chumbo em que ele era ídolo de uma garotada inconformada com o regime militar da ditadura brasileira e lembrar do suíço Smetak, pelo artista baiano mesmo incensado, falando que falar de música é uma bobagem, e fazê-la, o maior barato.
Não se discute o talento do artista Caetano, mas o crítico Caetano está tão deslumbrado com o seu sucesso (cresceu muito no exterior) que passou a desprezar o seu público crítico brasileiro hoje acima dos 40 anos. Só porque ganhou um grammyzinho se acha maior do que Lula. Lula dá de dez em Caetano. Artista igual ao baiano tem uns três só na Bahia, João, Gil e Walter Queiroz. Político igual a Lula tem só mais dois na história: Dom Pedro II e Getúlio Cargas D'Água e Tiro no Coração...
O público maduro antes comprava Caetano e não o delicado Peninha. Gosta de ouvir Caetano interpretando os hispânicos, que o baiano é um verdadeiro virtuose no canto, mas não tem mais nenhuma vontade de saber o que ele pensa do Brasil. Caetano não pensa, vomita vaidade via Sistema Globo de Novela.
Aquela frase célebre de Oswald sobre Coelho Neto ("Não li e não gostei"), hoje está no frontispício do pensamento de Caetano. Deu entrevista? Não vi, não ouvi e não gostei. Lançou disco na internet? Não acessei e não me estressei.
Prefiro comprar e ouvir a voz cantada de Caetano, que é sempre boa, boa não, maravilhosa, mas ninguém precisa sofrer com suas falações. A repercussão de seus comentários egocêntricos saiu da esfera da crítica musical e frequenta programas humorísticos e crônicas picarescas.
O velho compositor trocou o senso crítico pela arrogância de defender o indefensável. Elogiou fulano? Também pudera, fulano é da sua turma da indústria da felicidade. Não se canta mais, pula-se. "Vamos pulá!", entoa Sandy. Vem Daniela e grita: levanta o bracinho. Vem o pagodeiro e exibe o seu traseiro dizendo que todos devem rebolar desta ou daquela maneira. É o reino da MPB aeróbica, tchan-erótica. Ginástica beócia, é tudo ginástica. O funk não invade a Zona Sul do Rio de Janeiro, mas a contamina com o seu lado mais espaventoso, e haja gritos de guerra de popozuda, tigrão e pressão na tchutchuca nos condomínios da Barra entre academias e artes marciais. A funk carioca e o axé baiano viraram um manual de esforço físico-sexual. O carnaval baiano deixou de ser ritual, passando a ser uma indústria do pós-cacau, produzindo o bagaço do frenesi urbano cotidiano que vai de capital em capital com a tal folia espontânea fora de época, mas com ingresso na mão e cordão de isolamento.
O baixo nível da TV está atingindo o fundo do poço e isso deve causar consequências imprevisíveis, mas certamente não positivas, na geração que está nascendo hoje ou está entrando no mundo do simbólico.
A apresentadora Xuxa que não canta bem, mas não sendo cantora não tem problema, e nem canta jamais uma única música do folclore brasileiro, como já fez tão bem Caetano, faz ginástica melhor, mas não sai da mesmice de vamos fazer ginástica. O ditado latino de mente sã em corpo são foi comprovadamente derrubado pela juventude nazista, levada a celebrar a ginástica enquanto o cérebro era levado ao esgoto da história.
A MPB da indústria da felicidade está exigindo, com a sedução do ritmo intenso, que todos parem de criticar e aceitem, rebolando, ouvir tanta baboseira física e mística. Gnomo, gnomo.
Além disso tudo, a grade de TV nos fins de semana parece destinada aos desassistidos pela sorte e que ainda por cima estão longe da praia. E tome música sertaneja com falso sotaque de gringo: KLB. E é a filha da dupla sertaneja, é a outra filha da outra dupla sertaneja, todo mundo da dinastia aprendendo a cantar com os pais de uma fase fraca do cancioneiro popular.
Essas críticas talvez nem sejam minhas, mas mero apanhado do barulho geral que se ouve em toda cidade, em qualquer cidade. Todo mundo pode ver que o pagodeiro mineiro Alexandre Pires tem boa voz, boa ginga e é homem de sete instrumentos, além de figura simpática e até carismática. Fugiu para Miami.
O rock de tantas tatuagens não tem sido um alento nesse inicio de milênio, mas um sopro ocasional, enquanto o telespectador que desconhece a internet tem de aturar ainda inúmeros números de menor qualidade. A TV recebeu 30 mil canções num festival anos atrás e não andou um minuto para frente, não conseguiu vender ineditismo de qualidade porque parece que ninguém quer experiência no repertório da TV Aberta. Será verdade?
E assim vai se fortalecendo a mesmice do ritmo, dos arranjos desarranjados pelos cacoetes: ritmo do com certeza, podre, sinistro e manero. Tudo efêmero na pobre fase da MPB. As maravilhosas exceções se sintam instadas a brigar por mais espaço na grade.
Fellini, cuja genialidade é incensada gratamente por Caetano Veloso de cinco em cinco anos, dizia que a televisão prostituía a imagem. Talvez Caetano, um dia, reconheça os seus exageros verbais e, com o seu talento, lute por uma grade melhor. Como? Parando de elogiar quem não merece prioridade e fazendo música ou incentivando jovens artistas sem alardear que Joaquim Nabuco é novidade. Novidade é Nabucodonosor, ou o jovem José Thomaz... Nabuco. Mas Caetano é bom, bom não, maravilhoso, não resta mais dúvida.
Estávamos nos primórdios dos primórdios. Rolava um show no Canecão, e o falecido Julio Cortazar, de passagem pelo Rio de Janeiro, tão bombasticamente quanto a frase "o rei está nu", mandou a sua descoberta no início dos anos 70: "Caetano e Maria Bethânia são uma só pessoa." Talvez não tenham sido exatamente como nessas palavras aspeadas, mas o escritor argentino não quis dizer que os dois cantores de Santo Amaro da Purificação fossem uma só pessoa pela semelhança de vocação, física, sanguínea e musical, mas uma só pessoa no sentido de uma única entidade.
Não resta dúvida de que Caetano é monarquista, como foi Nabuco, acreditando piamente no racismo anti-racista que o faz se sentir um príncipe, um ser excluído da plebe ignara de jornalistas. Como um dos maiores artistas brasileiros do século passado, Caetano sempre acreditou que a arte dá realeza aos que a fazem. Parece monarquista não no sentido de linhagem genética. Dizendo-se mulato orgulhoso do interior da Bahia, é príncipe no sentido de ser parte de uma casta de criadores privilegiados. Com justo direito, exige as benesses do Caminho das Índias e do Poder em pleno século 21.
Começou mostrando um mundo picotatado entre mil imagens (Alegria alegria) em que várias linguagens se juntam e separam formando novos sentidos. Esta captação de múltiplos num único gesto ou gesta já havia sido antecipada por Hélio Oiticica nos parangolés. A Tropicália, tão bem apoiada teórica e criticamente pelos irmãos concretistas de São Paulo, nasceu já como uma releitura estética do artista plástico que dizia: "Eu faço música", num contraponto com o performático músico Cage, que alardeava: "Odeio a harmonia."
De aparência desleixada no início da carreira, Caetano Veloso surgiu na mídia mostrando amplo conhecimento da MPB - botou nome em Maria Bethânia a partir de um sucesso de Nélson Gonçalves que ele admirava com apenas quatro anos de idade (escusado dizer que o filho de Santo Amaro é apenas quatro ou cinco anos mais velho do que a irmã Bethânia Veloso).
E essa precocidade não parou mais. O desleixo, divertido enquanto se repetia em trabalhos experimentais, culminou com Araçá Azul, o último disco em que o baiano ainda não procurava o esmero no cantar. Desde o disco Terra Caetano vem se confirmando como um intérprete apuradíssimo, seja em canções clássicas, seja nas suas próprias, marcadas quase sempre por uma poética especular, com versos entrecortados em qualquer quer seja o canto, amoroso, religioso ou nirvânico como Odara, ou mesmo no social ferino como O Haiti é aqui, ou mesmo nesses roquinhos fraquinhos dos tempos mais recentes de 2007, 8 e 9.
Polêmico por natureza, Caetano foi o terror de muitos textos jornalísticos. Joaquim Ferreira no tempo que a revista Veja existia não sabia nem o que era um coco. Aquela jornalista que disse que a canção Gosto muito de você, Leãozinho é horrível..., mas ela é que é horrível. Depois ela se arrependeria do que escrevera, mas coitada, Maria Helena Dutra já morreu de há muito.
Sandy Jr. é melhor do que muito crítico que se acha bom, ou coisa parecida. Roberto Moura em vida era mais chato do que Tinhorão no sentido de rigor do gosto.
Na maior parte das vezes, há de se concordar com Caetano. A imprensa tem sido mesmo marcada pela pressa, essa inimiga da perfeição. Mas, bem ou mal, jornalismo diário tem sido feito por jornalistas que vivem a profissão 24 horas por dia e nada indica que isso vá mudar. Pode-se ficar com raiva de jornal, pelos erros que comete, mas isso não tira o encanto da leitura diária de notícias num espaço ritual, posto que é leitura dividida por um segmento comum da sociedade. Ler jornal é partilhar ideias e relatos com os nossos vizinhos. I Hate neiboughrs...
Afora esses exageros de Caetano ao falar mal de gente boa que não dá a mínima para ele, o artista está coberto de razão quando critica a imprensa. Jornalista é pior do que polícia, no sentido de proteger o corporativo, e muitas vezes é infantilmente irresponsável por não checar suficientemente a informação que escreve e publica.
Pequenas divergências, porém, entre outros pequenos exageros de Caetano, jamais ameaçarão o seu status de semideus da MPB. Caetano é o máximo porque antecipa tendências, ao mesmo tempo em que toca em pontos fracos de outras manifestações artísticas cujos autores estejam se arvorando a sucessores. Por vezes, Caetano antecipa tendências terríveis, como a de achar que ele está certo e Lula, errado.
Nesse sentido, Caetano é humaníssimo e, edipianamente, confirma leitura foucaultiana de que Édipo não estava muito preocupado em saber se copulou com a mãe ou matou o seu pai, mas sim se, em sendo isso verdade, saber se perderia o poder.
Como príncipe, Caetano usufrui as delícias da corte, da Versalhes platinada, campeão das canções de novela. Por que não elogiar Sandy se ela canta bonitinho, é dedicada desde os cinco anos de idade e, em vários aspectos, tem tanta afinação quanto a italiana Laura Pausini?
Por que não elogiar Alexandre Pires, desancado pela imprensa quando entrou no palco na noite em que o Canecão era reduto do samba carioca e deu conta do recado? Se não fosse autêntico, black Pires não teria sido recebido entre lágrimas da mais pura emoção pelas meninas cabrochas ao visitar o Buraco Quente no Morro de Mangueira. Se ele é querido na Escola verde-e-rosa que canta Tom Jobim e Chico Buarque, quem é a imprensa para dizer que Alexandre Pires não tem seus méritos?
Humanamente, como Édipo, Caetano elogia vários artistas, desde que não o ameacem no trono real, de onde governa da Grécia ao Leblon como porta-voz do juízo cultural final.
Poder-se-ia dizer que Caetano suspeita de que João Gilberto seja um artista mais importante do que ele próprio, mas João não leva jeito de curtir vida social, não é chegado aos rabigalos da Versalhes Platinada. Com Bethânia, talvez seja João o único baiano não festeiro 24 horas por dia. Por isso o escritor Julio Cortazar achou que descobrira que ou Bethânia ou Caetano não existia. Mas o fato de Bethânia ser meio moita, a la Garbo, nada tem relação com a qualidade excepcional da música que os três baianos cantam.
Critica-se Caetano por qualquer coisa que diga. O sucesso estrondoso de Peninha foi por muitos jornalistas visto como o daquela música (Sozinho), que Tim Maia e Sandra de Sá também gravaram, ou daquela música deliciosa que o baiano sabe fazer, mas faz pouco. Vem um disco mais experimental, e se critica porque sem Peninha o artista baiano vende pouco. Caetano vende mais quando privilegia canções e menos quando, quase sempre, esquece o marketing fonográfico. Caetano é globodependente. Não toca no rádio. É impingido pela TV Amiga. Na internet, no Youtube, espaço em que a fruição tem muito de busca e pouco de imposição, Caetano tem centenas de milhares de hits, mas nem de longe é um campeão de hits.
Caetano já virou vovô há muito tempo na era digital.
Caetano é o estrangeiro de si próprio, é o que veio para ser medido, vigiado, comparado, amado e odiado, não importando o que faça nem como faça. No Estrangeiro, aliás, também um disco com pequenos experimentalismos, sobra, à la Peninha, o clássico Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso. De novo se critica o disco em que a melhor música é justamente a que não é de Caetano.
Exagerado sim, mas de longe um cracaço da MPB. Podia até estar gravando um CD cheio de Peninha e Ary Barroso para vender bem, mas nenhuma gravadora ousa pedir a Caetano que faça mais do que está disposto a fazer. É o príncipe da criação, parece preguiçoso, malemolente, que dorme mais do que Martinho da Vila, mas por dentro a usina não pára, a criação não pára.
Fina estampa, versão exclusivamente hispânica, virou o salvo-conduto internacional de Caetano que não precisa mais ficar discutindo com os conterrâneos para provar a que veio.
Caetano é arte, e mesmo que não fizesse sucesso algum, não fosse o menino da Globo e não travasse polêmicas ora úteis ora estéreis com a imprensa, ainda assim seria o maravilhoso criador matricial da canção da brasilidade moderna.
É muita petulância usar este Correio da Lapa para assacar contra a sensibilidade estética do astro baiano. Mas o blogue-estapafúrdia procura as suas vítimas, ressuscitando-as na medida em que elogia o que perderam. Ainda bem que você esperou muitos anos para, acumulando tanta sandice, receber o impacto de uma única vez. Como crítico de cinema, você é um excelente jornalista. O problema a é que a Sétima Arte, como o futebol, permite que qualquer um fale. Seja da arte da bolas nos pés, seja da primeira arte industrial do penúltimo século da era finda.
Não, não me escondi. Tentei, ao contrário, conviver na fervura da liberdade de expressão, mas me lembrei, quando o comunismo ia acabando, que Lênin tinha seus motivos quando dizia que só existe liberdade de imprensa com liberdade de fornecimento de papel. Liberdade de ir e vir, a que não existe na musical ilha de Cuba, é a mesma que não existe no Brasilzão em que a imensa maioria dos músicos está passando dificuldades que tornam muito difícil conseguir comprar uma passagem de ônibus, que dirá a música premiada de Caetano pelo Grammy.
O melhor de Caetano é o silêncio de João Gilberto. O melhor de Caetano é a burrice de suas opiniões políticas omitidas enquanto canta. Caetano é um excelente compositor, mas não é tão bom quanto ele imagina. Há melhores. O melhor de Caetano é o canto, não é a performance no palco. O melhor de Caetano é a música no rádio, na TV e no CD. Ou seja, a sua presença não tem a menor importância. Não é bom de teatro, não é bom de Cinema Falado, não é bom de crônica política. Caetano é glodependente e ponto.com.
Quase todo mundo na rua pensa que Caetano é gay, mas ele jamais deu provas de que o seja, muito pelo contrário, e que se dane se for ou não. Preferências se respeitam e ponto. A preferência de Caetano, ao criticar Lula e elogiar Marina Silva é apenas uma barafunda. Marina é Lula e, na hora H, se o Comandante do Goró pedir, ela retira a candidatura. Do mesmo modo é Ciro Gomes. Isso tudo é cortina de fumaça. Caetano parece que é Serra enrustido, não assume que é. Ambos são analfabetos em comunicação de massa. Caetano fica brincando de não ser partidarista. Caetano é global. Sem a Globo, desaparece em instantes no turbilhão da falta de audiência.
É gênio sim, mas costuma ser também deselegante, tem aquela deselegância indiscreta de falar que fulano, um tal de Lula, não sabe falar.
Caraca! Isso não vai acabar nunca?

Quase tudo que escrevo não é o que penso. Quase tudo o que penso se esconde no meio das coisas que ouço e reproduzo aqui como um espelhamento embaralhado de ideias coletivas e multifacetadas como a própria poética de Caetano... A cobra mordeu Caetano...

Por Alfredo Herkenhoff