Baile de Orfeu no Carrossel que nunca termina nem nunca nasce (mais um trecho)
O coreto começa a se movimentar como uma grande roda gigante deitada, humana, demasiado, demasiada. Tony Garrido, Orfeu redivivo, convida Cacá Diegues para um novo remake. É o sonho da grande família orfeônica, cultivando consciência e cidadania. O palhaço Ananias passa e faz careta cheio de laços e balão. Todos riem. Ride. Tudo balança Bete. Só a Lapa se entrega como um colosso de estática. A alvoroçada jovem Dercy Gonçalves, saracoteando a 100 por século. Denise Bandeira, onde enfiar o pavilhão? A orquestra ataca de gafieira. Cláudia Sandereal não se faz idéia em jornal. Djenane Machado, olhos azuis, fulgurantes, com o brilho do pai mentor do teatro de revista. Que rebolado! Tantas girls nascendo enquanto a Lapa parecia que morreria das saudades. Macksen Luiz conhece os cenários. Márcia Barrozo do Amaral não deixa por menos e aposta tudo em Frans Krajcberg e Manfredo de Souzaneto. Ricardo Rego, da Lurix, exibe nomes quentes como Roberto Cabot, José Bechara, Paulo Climachauska e Luciano Figueiredo. Raul Mourão se surpreende com Hélio Oiticica, Geraldo de Barros e Lygia Clark, “um orgulho nacional” nas palavras carinhosas de Hélio. Mostra a eles os ursinhos de Lula de pelúcia. Todo mundo gosta e ri. O cientista Oswaldo Cruz agita a virada diante do Aqueduto da Carioca. A música do maestro Silvio Barbato sacode a Ópera dos Arcos, o libreto de Bernardo Vilhena passa de mão em mão. O diretor Eduardo Álvares troca figurinha com o cenógrafo Marcelo Dantas. Ao preço de 600 mil para cinco exibições de O Cientista, 200 vaidades alegram o palco dos lapianos cabarés pela boca incorporada do ator barítono Sebastião Teixeira. A soprano Claudia Riccietelli mia no tempo do presidente Pereira Passos, papeando com Lício Bruno diante da Cecília Meirelles. O amigo do sanitarista, médico Sales Guerra, atende o tenor Marcos Lizemberg. A mulherada da Lapa encarna em Luciana Bueno na Revolta de Varginha com um sem-número de caçadores de ratos, entre capoeiristas e navalhistas de olho na campanha que trocava dinheiro por roedor, o que propiciou granjas clandestinas de criação de milhares de mickey-mouse. Sérgio Sampaio cantaria muitos minutos depois: “Matando rato pra comer, fazendo rock pra vender...” 1904, o ano roído. O Arco da Velha descobriu que a velha arca já furou. Só não desembarcou quem foi réu dormindo. Alcides Caminha a humanidade. Arnaldo Brandão da Lua, piscina cheia de ratos, matando pra comer, matando pra vender. Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Claudino Costa. Campanha carioca contra a peste. 1904, o ano em que Oswaldo Cruz foi enganado. Criava-se rato para matar e vender na falsa higienização. Virou galhofa, carnaval. Os ratos estão de volta. Ratos não morrem, como escreve o jornalista Sérgio Escovedo. Seus corpos podem ser vendidos, mas as gerações são tão carnavalescas quanto resistentes. Jards Macalé clona Sérgio Sampaio e Geraldo Pereira: matando rato pra comer, fazendo rock pra vender. O Ministério da Economia parece que vai resolver... Porque no meu governo, se eleito for, todo brasileiro vai ter o que mastigar. Vou distribuir chiclete pra todo mundo... Filma Rogério Sganzerla.