quinta-feira, 12 de março de 2009

SOLAR DA FOSSA (1)

Solar da Fossa foi centro da cultura pop do Brasil
Passaram pelo casarão os principais artistas do país

Por Alfredo Herkenhoff
O Solar da Fossa foi uma espécie de Lapa fora da Lapa. Era um casarão que ficava exatamente onde hoje está a torre do Rio Sul, em Botafogo, na boca do Túnel que liga este bairro a Copacabana, A lacuna bibliográfica sobre o tema é quase total. Este meu texto, mesmo com possíveis muitos erros, não reduz o absurdo vazio, apenas o divulga.

À distância, o Solar da Fossa lembrava um casario colonial, um convento, uma Casa Grande, uma sede de fazenda em plena Zona Sul do Rio de Janeiro. A edificação tinha dois pátios internos e dois andares, com quase 100 quartos (94 para ser exato). Funcionou como uma pensão barata. Nos anos 60, e começo da década seguinte, passaram pelo Solar artistas dos quatro cantos do Brasil. A imensa república era tão atraente que até artistas cariocas sem problema de dinheiro não resistiram e se fizerem presentes. Alguns moraram ali por mais de ano, outros por bons meses, alguns, por alguns dias. Artistas iam lá apenas para conviver com os moradores da ilustre hospedaria, que se chamava Pensionato Santa Terezinha.

Como deixar em branco uma história que reuniu, na mesma hora, e no mesmo lugar, entre moradores e visitantes, nomes como Ruy Castro, Caetano, Gil, Tim Maia, Chico Anysio, Gal, Costa, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, Cláudio Marzo, Betty Faria, Abel Silva, Darlene Glória, Odete Lara, José Lewgoy, Capinam, Arnaldo Jabor, Itala Nandi, Chico Buarque, Cacá Diegues, Paulo Leminski, Ruy Guerra etc. etc. etc? Compilei todos os nomes que pude. A lista está logo adiante.

Considerando que não paira dúvida nenhuma sobre a qualidade do projeto enquanto produto editorial de grande atração, tanto para formadores de opinião quanto para consumidores da melhor cultura brasileira, pensei um livro de capa dura, grande formato, preenchendo, de forma exuberante, a lacuna bibliográfica sobre a época de ouro de toda uma geração da fascinante cultura brasileira.

Estimei que seriam necessárias umas 100 entrevistas, com muitas surpresas. Pensei um livro ricamente ilustrado, nada de leitura longa ou difícil. Alguns artistas seriam convidados a produzir texto especial, sob encomenda.

Cheguei a pensar numa equipe para pesquisar a iconografia do Solar da Fossa, tanto do ponto de vista arquitetônico quanto existencial. Entre as fotos, o livro incluiria as poucas tiradas de artistas dentro do próprio Solar.

O casarão foi demolido no início dos anos 70 para dar lugar ao Rio Sul, mas, para além de questões saudosistas, o livro seria uma excelente oportunidade para resgatar histórias divertidíssimas e consolidar reflexões sobre a evolução urbana desse trecho de Botafogo, onde se destacam, além do Rio Sul, com a sua torre imponente, o Canecão, o condomínio Morada do Sol, o Hospital Pinel, que graças aos artistas mais loucos virou sinônimo de loucura em todo o país, e as instalações da UFRJ, com casario centenário. O Solar da Fossa, num certo sentido, foi precursor, no Brasil, dos chamados apart-hotéis.

A iconografia do Solar é basicamente em preto e branco, mas o livro, a quatro cores, poderia ter a ilustração complementada, por exemplo, com fotos panorâmicas, atuais, batidas do topo da torre do Rio Sul, focalizando, além do próprio shopping, o horizonte urbano, o mar, a Baía de Guanabara, a beleza de uma cidade com as lentes captando tudo, 360 graus ao seu redor.

Poder-se-ia, por exemplo, usar um fotograma do filme Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, com a cena em que o helicóptero do Rei, depois de passar por dentro do Túnel do Pasmado, faz um sobrevôo com o Solar da Fossa mal avistado ao fundo.

O compositor Abel Silva, refletindo sobre o velho casarão, observou: “'Era um lugar de trocas. Até porque lá morava também gente do cinema e teatro, como José Lewgoy, Betty Faria, Cláudio Marzo e muitos outros. Entre os visitantes assíduos, estava Chico Buarque, que vinha participar de ensaios. Tínhamos todos 20 anos, vivíamos intensas mudanças ideológicas e sexuais. Homens e mulheres que se separavam acabavam por lá. Então ali namorava-se muito. Mas por enquanto isso é tudo o que posso contar”.

Abel Silva, que dividiu quarto com Paulinho da Viola, morou no Solar por quatro anos e suspeita que foi recordista de tempo no local. Abel Silva, hoje diretor da União Brasileira de Compositores, também tem uma foto de Caetano no Solar. Raríssima, Mas disse que a imagem está perdida em sua casa. Se Deus quiser vai achá-la. Abel Silva observa que os artistas estavam em início de carreira, quase todo mundo sem dinheiro, ninguém tinha máquina fotográfica, e muitos não sabiam que enquanto moravam no Solar da Fossa já estavam fazendo história. O projeto, portanto, não deixa de ser uma contribuição para a historiografia da cultura de massa no Brasil. (continua)

Parêntese para um desabafo:
(Meus projetos estão morrendo todos pelas minhas próprias mãos ou pela desídia da burocracia brega do Brasil. Será que estão? Pelo sim pelo não, agora decidi divulgá-los no Correio da Lapa em vez de sofrer numa competição louca por migalhas de isenção fiscal por meio de leis como Rouanet e congêneres... Solar da Fossa... Mais um fracasso genuinamente meu... Que saco! O país parece só pensar em bunda e BBBB?)