sexta-feira, 24 de julho de 2009

Obama confessa que ainda fuma; João Paulo II fumava também




Fumante, ser ou não ser


Barack Obama confessa que ainda fuma, o Papa João Paulo II fumava, mas ninguém via. Se os dois estivessem juntos, na noite paulistana, iam se dar mal ..

No tempo da Vovó Maria, bons tempos de fogão de lenha no interior do Espírito Santo, ninguém se queixava de que fosse fumante passivo na cozinha.

Por Alfredo Herkenhoff
Especial para o Correio da Lapa

Os lábios são o primeiro caminho da satisfação, da amamentação à fase oral com que as crianças começam a distinguir as coisas, boas ou ruins.

A boca é a metade do beijo. É a fonte dos maiores prazeres e também de muita ilusão. É a voz de comando e perdão, de verdades e mentiras.

O homem produz literatura sobre tudo que lhe é dado ver, ter ou imaginar. Por que não falaria do cigarro, queimando em silêncio no tempo que é escasso para todos, fumantes e não-fumantes?


Acabou praticamente o telex, acabou o telegrama, acabou a máquina datilográfica e vão acabar tantas outras coisas da civilização que não pára de inventar. Mas será que vai acabar o cigarro? Será que a indústria do fumo teme o seu fim? Ou acredita que a Escócia teme o fim do uísque? Ou que os próprios remanescentes dos povos pré-colombianos temem o fim da folha de coca que mastigam há séculos porque há doentes que cheiram cocaína, alcoólatras que estupram e fumantes que morrem e compõem as melhores páginas da nossa história?

A resposta é não. Ninguém deve temer nada.

"Não existe solução. A única solução é morrer", diziam tantos poetas num só Fernando Pessoa, tão português, tão inglês.

O artista plástico Marcel Duchamp, francês recolhido em New York, sintetizou: "Se não tem solução, não tem problema".

Diz o norte-americano Richard Klein, no livro polêmico Cigarros são sublimes: "A noção que deixando de fumar alcançaremos a saúde é a ilusão que alimenta o impulsos de parar de fumar que o próprio ato de fumar cria".

Augusto dos Anjos em seu único livro Eu: "Acende o meu cigarro: o beijo, amigo, é a véspera do escarro..."

O modernista Oswald de Andrade antecipando uma despedida, em São Paulo: "O Brasil é uma república federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus: depois todos morrem."


O francês Jean-Paul Sartre, tabagista de todas horas e que viveu décadas tentando parar, escreveu que fumar é uma forma de parar o tempo e se apropriar simbolicamente do mundo.

O Correio da Lapa adverte o Ministério da Saúde: este artigo não causa câncer no leitor.

Rubem Braga, cronista maior que cobriu a Segunda Guerra em que ingleses, americanos, brasileiros e tantos povos salvaram o mundo do nazismo, fumou e não aporrinhou ninguém. Em certa ocasião, já vitimado de câncer na laringe, enfastiado com o proselitismo radical de ex-fumantes contra o cigarro dos amigos à mesa, Rubem Braga exclamou: "Quem quiser fumar que se fume".

Hitler, que aos quatro ventos gritava que a juventude nazista vivia sob o lema da mente são em corpo são, não deixava ninguém fumar dentro do seu gabinete, à exceção do amigo italiano, il duce Benito Mussolini. A exceção enseja um trocadilho híbrido entre esses dois débeis mentais: mens insana in corpore sano...


O homem vem do pó (o pequeno Cachoeiro é isso no mapa) e ao pó voltará. Às cinzas voltará. Rubem voltou sob forma de cinzas, aspergidas sobre o leito do Rio Itapemirim pelo filho Roberto e o sobrinho Édson Braga, sem alarde, numa madrugada silenciosa, enquanto a cidade dormia e ele se ia, numa poeira quase invisível, amansando as águas já mansas que corriam capixabamente para o Atlântico próximo.

Klein nos lembra que o escritor Italo Svevo, o amigo do irlandês James Joyce em Trieste, Norte da Itália, mostrou em A consciência de Zeno, uma autobiografia, o personagem que passa uma vida longeva prometendo parar de fumar e nunca parando. Só pára quando não precisa mais parar, já velho

Diz Zeno: "Todo esforço para atingir a saúde é vão. A saúde pertence aos bichos, cuja ideia de progresso está em seus próprios corpos". Zeno escrevia um diário e brincava com a ideia de parar em datas pessoalmente importantes. O mundo não mudou tanto de lá para cá.

Mas quem parou mesmo foi o mau humor, quando esse ícone americano que é Mark Twain, disse esta galhofa: "Parar de fumar é muito fácil. Eu mesmo já parei umas cem vezes".

Lembra Klein que o cigarro foi visto, na história de várias guerras, como o maior bem dos soldados, embora não cure e não alimente. Reprimir cigarros no imediato Pós-guerra chegou a ser considerado gesto de traição entre os próprios americanos, hoje tão repressivos ao ato de fumar.

Hoje a judicialite aguda grassa em toda parte, como se faltasse informação aos 33 milhões de tabagistas do Brasil. Fiscalizar restaurante é mole, duro deve ser fiscalizar escola da rede pública onde sofrem as crianças de classe média e pobres.

O general John Pershing, em certa ocasião, afirmou: "Pergunta por que precisamos ganhar esta guerra? Vou lhe dizer por que: precisamos de tabaco, mais tabaco, mais até do que comida".

Dizem que o general Montgomery, depois de derrotar a Raposa do Deserto, no Norte da África, explicou assim por que venceu: "Venci porque não fumo, não bebo e não prevarico". O primeiro-ministro inglês Winston Churchill, do alto do seu charuto, corrigiu: "Não é nada disso: vencemos porque eu prevarico, bebo, fumo e sou o chefe dele." Os dois ingleses tinham razão. Fumar envolve um pecado suave que nem se sabe direito quão mortal é.

Você já reparou como tem filme de guerra em que o soldado, mortalmente ferido, pede um cigarro para dar uma tragadinha e morrer na sequência? Sartre dizia que embora o cigarro faça mal, no ato de botar a fumaça para dentro ninguém morre. Pode morrer um pouco antes, um pouco depois, mas não no ato de aspirar a fumaça.


Sabemos apenas como dizia Otto Lara, ou um de seus amigos de mineirice: "A morte é o clube mais fechado." Enquanto estamos vivos, fiquemos então com a mente aberta e livre para escolher e deixar escolher entre ser ou não ser, fumar ou não fumar.

Barack Obama acaba de revelar que ainda não se livrou do vício do tabagismo, ainda tem umas recaídas.


Mas, qual Pelé, que sempre gostou de uísque, embora sem nunca se deixar pegar nas fotos bebericando, Obama que fique tranquilo com seus maus modos às escondidas: até o saudoso papa rechonchudo João Paulo II também dava suas baforadas, segundo Klein, apenas duas vezes por dia, dois cigarrinhos por dia.

E o papa Bento XVI, com a mão quebrada, não esconde de ninguém que gosta de uma cervejota.