Memorial para o Rei do Pop,
Michael Jackson,
com gurufim de corpo presente
Correio da Lapa, rápidas pincelas entre lágrimas, sorrisos e muita música
Horas antes do velório de Michael Jackson, ninguém no mundo sabia o que iria acontecer no Estádio Staples Center, em Los Angeles. Aconteceu de tudo do modo mais perfeito. Sabia-se apenas que cantariam We are the World Lionel Ritchie e um coral de celebridades.
Pois foi mesmo um gurufim, um velório musical completo, sem aquele luxo de Hollywood, mas com a perfeição típica da maior indústria de entretenimento. Apenas um palco, o caixão dourado e fechado com o corpo do Rei do Pop logo abaixo, quase diante da primeira fila ocupada pelos parentes de Michael Jackson. Uma pequena escada e tapetes azuis, cenário que até lembrava o chão do Senado ou Congresso Brasileiro. Orquestra e telões num cenário de luzes. Nada além...
Personalidades admiráveis no rodízio dos microfones e das canções. Público reverente, aplaudindo e silenciando, de vez em quando gritos de fãs, palavras de afeto. E mais silêncios.
Dezessete mil pessoas e muitas lágrimas e risos. E mundo afora, 1 bilhão diante de Tvs.
Um show de celebração multirracial. Barack Obama, mesmo longe, foi muito lembrado. E de repente, o chefe da Casa Branca e o Rei do Pop, ninguém notara antes, são as duas faces de uma mesma moeda, a nova esperança que leva o mundo a ver que, por entre muitos erros, os Estados Unidos sabem dar a volta por cima. Nunca desistir. Lutar sempre. Buscar o melhor. Dar o melhor de si.
O pastor negro Al Sharpton, dirigindo-se aos aos três filhos de Michael Jackson, gesticulando, negou as acusações de molestar crianças que pesaram sobre o cantor. “Quero que os três filhos saibam disso: o pai de vocês não era nada disso que falaram”.
O pastor foi um dos mais aplaudidos na festa-velório. "Michael subiu para o firmamento. Sempre que o derrubavam, sabia se levantar novamente. Quando ninguém contava mais com ele, ele voltava. Michael nunca parou, nunca, nunca", afirmou Sharpton.
Mariah Carey abriu o memorial cantando I wil be there, hit da época do Jackson Five. Queen Latifah em nome dos fãs, rindo, grande atriz que é, sem perder a serenidade. Em seguida, Lionel Richie cantando Jesus is Love, com pequenas mudanças na letra para honrar a memória do seu parceiro na música We are the World, que ele e todo mundo cantariam quase ao fim.
O fundador da Motown, Berry Gordy, no mais extenso depoimento, deu aula de música, de indústria fonográfica, de integração racial e contou casos sobre genialidade do Rei do Pop, que começou aos sete, oito anos e entrou para aquela gravadora aos 11. Gordy - ou terá sido outro? - disse que Michael Jackson tinha dupla personalidade. No palco, matava. Era o melhor, não admitia nada a não ser a perfeição, e fora, era tímido, uma criança, uma criança também perfeita.
Stevie Wonder cantou no piano Never Dreamed You'd Leave in Summer, ou “Nunca imaginei que você fosse partir no Verão”. O cantor cego usou o verbo “ver”, dizendo mais ou menos: eu nunca imaginei me vendo cantar essa canção num momento como esse.
E teve Magic Johnson, uma deputada fazendo política, o ponto fraco, falou de uma moção para Michael Jackson ser declarado ícone pop da paz, ou coisa parecida pelo Congresso americano. E teve i guitarrista John Mayer, o rapper Usher, a atriz cantora Jennifer Hudson também brilharam. E teve muito mais, quase duas horas de choro, música, lembranças da generosidade do Rei do Pop, clipes históricos com montagens novas, e sorrisos, muitos sorrisos.
A família Jackson toda unida, muitos abraços, os homens todos usando só uma luva branca em homenagem ao morto, que tinha esta mania pop.
A atriz Brooke Shields revelou pequenos segredos de sua amizade ou namoro com o cantor. Ela disse que a música de que Michael mais gostava era Smile, de Chaplin. E a canção reverberou.
Uma linda festa de esperança e saudade. Gurufim é isso, no Brasil, velório dos negros pobres, com muita cantoria. Em Los Angeles, embora os negros fossem maioria - e rica - no palco, via-se gente de todas as partes do mundo, cor e raça ali eram coisas do passado, o futuro é Obama, o futuro é o legado de Rei do Pop. O futuro está definitivamente na música e na imagem. Não há nada mais antipop no mundo do que preconceitos raciais e religiosos. Michael Jackson, para além da música e da dança, também foi show em matéria de tolerância e humor. Divertiu o mundo, até na morte nos diverte.
Por Alfredo Herkenhoff