quinta-feira, 14 de maio de 2009

Roubo de obra de arte e modismo. Espetáculo Midiático



Espetáculo Midiático

Roubo de obra de arte e modismos

A polícia em São Paulo acredita que por sua pressão na investigação, ladrões de dois quadros de Candido Portinari, um de Tarsila do Amaral e um de Orlando Teruz desistiram de ficar com as peças. A política também desconfia que o roubo de domingo tenha sido por encomenda e que, provavelmente, o mandante do crime desistiu da empreitada. Você acredita nisso? Especulemos. Os quadros roubados foram abandonados perto de um portão da Rede Record, numa rua da Barra Funda. As obras estavam embrulhadas em papel pardo. Funcionários da TV foram avisados por um telefonema anônimo e chamaram a polícia. Fitas do circuito de TV da Record serão requisitadas pelos investigadores. Ninguém foi preso. A família Maksoud, de onde as obras foram retiradas, informou que não houve avarias nas telas.

E crível essa versão da Polícia? Pode ser... Mas roubos de obras de arte costumam ser especiais. No Brasil, a modalidade de crime vem crescendo nos últimos anos. Especulemos. Não será apenas um espetáculo midiático? Roubar pelo prazer de ver a exibição de uma atuação? Temos no cinema e na literatura vasta experiência do roubo de arte como obra de arte.

Primeiro tivemos o modismo dos sequestros e a migração para outros tipos de refém. Como existe um modismo do crime, o que sai na mídia costuma ser repetido por criminosos sedentos de fama, ainda que de fama anônima, ver senão seus nomes como procurados, ver pelo menos suas façanhas nas manchetes de jornais. Também não se descarta a hipótese de sequestro de obra-prima para depois exigir grana em troca do resgate. Afinal, sequestrar gente está saindo de moda. A punição é pesada, a alta burguesia aparelhou a polícia, o estado, para que uma repressão eficaz fizesse os criminosos migrarem para outras prelazias do mal.

Cortar a orelha de um refém, matar um rico ou classe média infeliz, tudo isso é perigoso demais. A mídia não faz espetáculo da punição exemplar, mas os números são terríveis para os sequestradores. A maioria dança, morre mesmo, a minoria que também dança com vida pega pena pesada. Só a minoria da minoria da minoria consegue escapar incólume. Então, depois de sequestrar até gente humilde, pobre infeliz ou classe média, tipo dono de padaria, os sequestradores descobriram a arte de roubar arte. Neste caso, o refém é o afeto pela obra ameaçada, ou o refém é o temor ao prejuízo de perder de vez peça valiosa muitas vezes sem seguro. Sequestra-se uma arte apenas por dinheiro. A punição e o risco nesse tipo de crime são menores. Roubar uma obra de arte por dinheiro não é arte nem enquanto performance.

Modismo é velho como o rascunho do Pentateuco. O assassinato como uma das belas artes. Thomas de Quincey. A multidão das metróploes como o melhor esconderijo, o melhor cativeiro. As cavernas urbanas cheias de Ali Babás metrossexuais. O modismo do roubo a banco que antes foi politico e depois na Ilha Grande ensinado pela guerrilha da classe média socióloga a ladrões comuns dividinho a mesma jaula.

O modismo de sequestro de aviões, primeiro como desesperada exibição midiática da Organização para a Libertação da Palestina de Yasser Arafat, quase 40 anos atrás, num deserto do Oriente Médio, três Boeings de uma só vez, e depois o sequestro maluco, o cara querendo fugir de avião ds mazelas do Mali, de Cuba ou da antiga União Soviética, ou querendo irritar americanos na Guerra Civil do Líbano. O modismo de dominar avião foi tamanho que, numa ocasião, o Pasquim, ou talvez a revista Manchete, publicou um desenho de humor em cima da onda, mostrando um sequestrador de arma em punho na cabine dos pilotos e dando a odem: "Toca esse Boeing direto para Cachoeiro de Itampemirim".

O modismo de roubo de rabo de cavalo de mulheres vaidosoas que cuidam tão bem de suas madeixas. Um roubo a faca, com humilhação da mulher em plena rua, um crime que rende apenas uns caraminguás no mercado clandestino de cabelo destinado a outras mulheres tão vaidosas quanto as vítimas, mas que, por desígnios da natureza, não conseguem produzir fios de tanta excelência
.
E temos os colecionadores que adoram obras que não lhes percentem e as querem mesmo que as peças devam ficar para sempre escondidas, talvez só vindo a luz daqui a 100 anos, para alegria futura dos tataranetos herdeiros do ladrão de arte. O modismo do roubo por encomenda, como suspeita a polícia paulista, atendendo quiçá os ladrões a um enviado de um extravagante chefe da Máfia russa, a um judeu errante, a um renomado professor de História da Arte numa Pontifícia Universidade Católica Qualquer, a um reitor de uma universidade federal qualquer. Enfim, a um empresário qualquer, a um santo qualquer, a um mandante querendo sabe-se lá o que, se aquela obra específica ou apenas querendp causar um tipo especial de irritação.

São tantos modismos que este texto aqui, espetáculo midiático, já está fora de moda.

Por Alfredo Herkenhoff