Mlle Pogany, 1920,
de Constantin Brancusi,
doado ao MAM-Rio por
Stella e Roberto Marinho.
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Valor atual da obra?
Trinta milhões de dólares...
O Dodge Dart de Maurina,
a condessa Pereira Carneiro,
não escondia nenhum Cézanne
que pudesse ajudar a salvar o...
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. . . Jornal do Brasil
(O texto a seguir integra o livro inédito
Pautas e fontes - Memórias de um secretário do Jornal do Brasil,
de Alfredo Herkenhoff)
A linguagem da arte, ao contrário da científica, tende a expandir possibilidades de fruição, ou de leitura, e não fechá-las em confirmações conceituais. A arte, como obra aberta, na acepção do semiólogo italiano Umberto Eco, amplia o potencial polissêmico. Superado o velho clichê de arte como habilidade manual, decoração e embelezamento, assiste-se hoje a uma interdisciplinaridade de conhecimentos. Artistas e cientistas trabalham cada vez mais de forma integrada. Os primeiros produzindo quase tudo, mas quase nunca ciência. Produzindo perspectivas inaugurais na forma e no conteúdo. Os cientistas produzindo teorias e tecnologias, muitas das quais servindo para matar e divertir massas de desassistidos entre os mais de 6 bilhões de habitantes da Terra.
A valorização das obras de arte é subjetiva entre os colecionadores, e entre estes estão pessoas, empresas e instituições entre as mais ricas do mundo. O valor em dinheiro de obras de arte é marquetizado por casas leiloeiras, fingindo discrição enquanto congregam a competição feroz entre os poderosos. Quem faz o preço é o mercado, não o crítico. O assunto é complexo como valor de passe de craque de futebol.
Ao contrário da maioria dos jornalistas, donos de jornais costumam adorar obras de arte caras. Jornalistas quase nunca conhecem as obras que os tycoons possuem em casa, antes de as doarem ou as apresentarem nos melhores museus do País. Personalidades como Chateaubriand (Assis e Gilberto), dos Diários Associados, e Roberto Marinho, dono da Rede Globo! Quantas pautas podem ser feitas sobre como criaram acervos tão importantes?
Apenas a Pogany, escultura do romeno Constantin Brancusi, doada pelo Dr. Roberto Marinho ao MAM do Rio, vale, no chute, os mesmos US$ 30 milhões de uma imaginária pintura de Paul Cézanne que a novela das oito Senhora do Destino enrolou, num raro erro de cena, para esconder a tela num velho Ford Galaxie.
Na novela global, de Aguinaldo Silva, o automóvel, com a tela enrolada de Cézanne, é dado de presente por uma emblemática dona de jornal ao motorista Sebastião (nome emblemático do nosso padroeiro). O presente glamourizado na ficção faz justiça à sofisticação da personagem da atriz Marilia Gabriela na pele de uma diva da imprensa carioca, uma mistura de mulheres altivas como Ondina Ribeiro Dantas, do Diário de Notícias, Maurina Dunshee de Abranches, Niomar Moniz Sodré, do Correio da Manhã, e Lily Marinho, de O Globo.
Como curiosidade, uma coincidência: depois que Maurina morreu, seu vistoso automóvel Dodge Dart foi presenteado ao motorista do Jornal do Brasil Geraldo, conhecido como Geraldo Capacete. Calvo, meia idade, morador no bairro de Califórnia, em Nova Iguaçu, Geraldo era o motorista preferido não só da condessa, mas de boa parte da redação do JB. Era meio cegueta, mas isso não prejudicava seu jeito cuidadoso de dirigir, sem ser lento nem imprudente. Geraldo não conseguiu sustentar o carro beberrão e o vendeu ao repórter de polícia Stanislaw de Oliveira, profissional simpático, jeito nordestino de boa cepa, comunista até a medula e apreciador de uma boa dose extra de genebra.
Com a novela da TV Globo mostrando a importância de Cézanne apenas pelo valor pecuniário, coleguinhas do JB, fazendo troça, começaram a perguntar que fim levou o Dodge Dart de Stanislaw. Haveria alguma obra de arte escondida dentro dele? O interesse logo se perdeu porque se soube que Geraldo, antes de vender o carro, desmontou-o peça por peça, para saber o verdadeiro estado. O automóvel foi parar no bairro de Guadalupe, perto da Fábrica de Melhoral, que tantas ressacas deve ter aliviado do nosso Stanislaw.
Lembrança puxa lembrança: nesse grand monde, Stanislaw nunca foi modelo de elegância. E por duas vezes, pelo menos, o Jornal da Condessa tentou, com nostalgia, exigir que todos os repórteres passassem a trajar terno e gravata como nos anos dourados. Mas bastava Stanislaw, atarracado, sem pescoço, usar ternos coloridos, camisas coloridas, gravadas coloridas, tudo amassado, para a norma perder o sentido e cair rapidamente no esquecimento do JB. Terno e gravata só nas pautas mais formais...
Arte puxa arte: quando o fogo destruiu o MAM, que foi presidido por Dr. Brito, o JB levou furos da concorrência. Quando o apartamento de Niomar pegou fogo, o jornal de Dr. Brito deu um banho, em terceiro clichê, por um motivo simples: em pleno fim de semana, foi possível, ao secretário, conseguir, por telefone, encontrar as pessoas do circuito das artes plásticas que conheciam bem o acervo excepcional da dona do extinto Correio da Manhã.
Tal e qual a novela de Aguinaldo Silva, as obras calcinadas de Dona Niomar talvez dessem hoje para salvar mais de um jornal, a riqueza de Dona Niomar talvez desse para comprar bem mais de um Paul Cézanne, desses poucos que ainda vão a leilão por aí apenas na ficção. Hoje poderosos que tem Cézanne não costumam aceitar se desfazer de obras tão especiais e, nem de longe, nem em ambiente ficcional, seriam capazes de aceitar o erro de Aguinado Silva: enrolar uma tela de tamanha qualidade.
A linguagem da arte, ao contrário da científica, tende a expandir possibilidades de fruição, ou de leitura, e não fechá-las em confirmações conceituais. A arte, como obra aberta, na acepção do semiólogo italiano Umberto Eco, amplia o potencial polissêmico. Superado o velho clichê de arte como habilidade manual, decoração e embelezamento, assiste-se hoje a uma interdisciplinaridade de conhecimentos. Artistas e cientistas trabalham cada vez mais de forma integrada. Os primeiros produzindo quase tudo, mas quase nunca ciência. Produzindo perspectivas inaugurais na forma e no conteúdo. Os cientistas produzindo teorias e tecnologias, muitas das quais servindo para matar e divertir massas de desassistidos entre os mais de 6 bilhões de habitantes da Terra.
A valorização das obras de arte é subjetiva entre os colecionadores, e entre estes estão pessoas, empresas e instituições entre as mais ricas do mundo. O valor em dinheiro de obras de arte é marquetizado por casas leiloeiras, fingindo discrição enquanto congregam a competição feroz entre os poderosos. Quem faz o preço é o mercado, não o crítico. O assunto é complexo como valor de passe de craque de futebol.
Ao contrário da maioria dos jornalistas, donos de jornais costumam adorar obras de arte caras. Jornalistas quase nunca conhecem as obras que os tycoons possuem em casa, antes de as doarem ou as apresentarem nos melhores museus do País. Personalidades como Chateaubriand (Assis e Gilberto), dos Diários Associados, e Roberto Marinho, dono da Rede Globo! Quantas pautas podem ser feitas sobre como criaram acervos tão importantes?
Apenas a Pogany, escultura do romeno Constantin Brancusi, doada pelo Dr. Roberto Marinho ao MAM do Rio, vale, no chute, os mesmos US$ 30 milhões de uma imaginária pintura de Paul Cézanne que a novela das oito Senhora do Destino enrolou, num raro erro de cena, para esconder a tela num velho Ford Galaxie.
Na novela global, de Aguinaldo Silva, o automóvel, com a tela enrolada de Cézanne, é dado de presente por uma emblemática dona de jornal ao motorista Sebastião (nome emblemático do nosso padroeiro). O presente glamourizado na ficção faz justiça à sofisticação da personagem da atriz Marilia Gabriela na pele de uma diva da imprensa carioca, uma mistura de mulheres altivas como Ondina Ribeiro Dantas, do Diário de Notícias, Maurina Dunshee de Abranches, Niomar Moniz Sodré, do Correio da Manhã, e Lily Marinho, de O Globo.
Como curiosidade, uma coincidência: depois que Maurina morreu, seu vistoso automóvel Dodge Dart foi presenteado ao motorista do Jornal do Brasil Geraldo, conhecido como Geraldo Capacete. Calvo, meia idade, morador no bairro de Califórnia, em Nova Iguaçu, Geraldo era o motorista preferido não só da condessa, mas de boa parte da redação do JB. Era meio cegueta, mas isso não prejudicava seu jeito cuidadoso de dirigir, sem ser lento nem imprudente. Geraldo não conseguiu sustentar o carro beberrão e o vendeu ao repórter de polícia Stanislaw de Oliveira, profissional simpático, jeito nordestino de boa cepa, comunista até a medula e apreciador de uma boa dose extra de genebra.
Com a novela da TV Globo mostrando a importância de Cézanne apenas pelo valor pecuniário, coleguinhas do JB, fazendo troça, começaram a perguntar que fim levou o Dodge Dart de Stanislaw. Haveria alguma obra de arte escondida dentro dele? O interesse logo se perdeu porque se soube que Geraldo, antes de vender o carro, desmontou-o peça por peça, para saber o verdadeiro estado. O automóvel foi parar no bairro de Guadalupe, perto da Fábrica de Melhoral, que tantas ressacas deve ter aliviado do nosso Stanislaw.
Lembrança puxa lembrança: nesse grand monde, Stanislaw nunca foi modelo de elegância. E por duas vezes, pelo menos, o Jornal da Condessa tentou, com nostalgia, exigir que todos os repórteres passassem a trajar terno e gravata como nos anos dourados. Mas bastava Stanislaw, atarracado, sem pescoço, usar ternos coloridos, camisas coloridas, gravadas coloridas, tudo amassado, para a norma perder o sentido e cair rapidamente no esquecimento do JB. Terno e gravata só nas pautas mais formais...
Arte puxa arte: quando o fogo destruiu o MAM, que foi presidido por Dr. Brito, o JB levou furos da concorrência. Quando o apartamento de Niomar pegou fogo, o jornal de Dr. Brito deu um banho, em terceiro clichê, por um motivo simples: em pleno fim de semana, foi possível, ao secretário, conseguir, por telefone, encontrar as pessoas do circuito das artes plásticas que conheciam bem o acervo excepcional da dona do extinto Correio da Manhã.
Tal e qual a novela de Aguinaldo Silva, as obras calcinadas de Dona Niomar talvez dessem hoje para salvar mais de um jornal, a riqueza de Dona Niomar talvez desse para comprar bem mais de um Paul Cézanne, desses poucos que ainda vão a leilão por aí apenas na ficção. Hoje poderosos que tem Cézanne não costumam aceitar se desfazer de obras tão especiais e, nem de longe, nem em ambiente ficcional, seriam capazes de aceitar o erro de Aguinado Silva: enrolar uma tela de tamanha qualidade.