segunda-feira, 15 de junho de 2009

Balé experimental, o dançarino argentino Ribas

Foto: mera ilustração


Alberto Ribas: o corpo fala por si (*)
Alberto Ribas é um artista que trabalha com o movimento do corpo no que este tem de pureza. Após o seu rompimento com “a dança moderna tradicional”, Ribas vem desenvolvendo uma atividade pioneira em termos de Brasil, que é a ação do corpo evitando toda espécie de representação para se restringir às suas possibilidades naturais e simples. Na cultura ocidental, esses movimentos naturais do corpo sempre estiveram sobrepujados pela ditadura da arte figurativa. Alberto Ribas abandonou esta arte porque ela ficou eternamente determinando ao corpo de cada dançarino a submissão aos gestos que aludissem a estados de ânimo, que contassem histórias, que representassem os mitos ou que descrevessem a música.

Nas palavras de Alberto Ribas, o tom radical de suas preocupações: “Não me interessa descrever idéias e situações através do uso intermediário do corpo”. Esta recusa definitiva em emprestar o seu próprio corpo para a tradição de uma arte em que Alberto Ribas já não acreditava levou-o a abandonar os estudos que vinha fazendo com Alvin Nikolais em Nova Iorque para se dedicar inteiramente ao reconhecimento das posturas do corpo independentemente de sua funcionalidade ideológica.

Como a New Dance se interessava por esta temática, Alberto Ribas se viu muito identificado com esta nova corrente. A New Dance se presta numa certa medida como parâmetro para situar as experiências de Alberto Ribas com os movimentos não figurativos do corpo. O dançarino Merce Cunningham, o primeiro que rompeu com a tradição de usar a dança como meio de exprimir as emoções, é o responsável direto pela New Dance, já que foi ele quem iniciou o trabalho de expressão através do movimento puro.

Balé de Douglas Dunn

Em Nova Iorque, Alberto Ribas conheceu, entre outros, artistas da importância de Douglas Dunn, Trisha Brown e Simone Forti, todos mais ou menos preocupados com a problemática comum que não é mais exclusivamente da dança, mas está na raiz da arte atual.

Trisha Brown


Simone Forti

Em termos gerais, o trabalho de Alberto Ribas mantém ligações indiretas e inconscientes com outros movimentos artísticos de vanguarda. Na literatura, por exemplo, de Mallarmé para cá, certas correntes tem tido em suas premissas a característica de negar a narrativa simples, recusando a utilização inocente da palavra como meio para representar realidades extralingüísticas.

Para entender o porquê do desprezo pelo esteticismo da dança tradicional, basta recorrer a Guilherme Vaz comentando a performance de Alberto Ribas numa geleria no Rio de Janeiro (** 2): “A dança é a atividade humana que mais maltratou o corpo porque estabeleceu com ele uma relação de uso e, através da imposição de ideologias ao corpo, nunca lhe permitiu ser. Ser corpo, aprender com ele e não ensiná-lo”.

Em sua última performance, (*** 3) em Ipanema, Alberto Ribas apresentou-se sobre um espelho que media mais ou menos 60cm por 1,80m. Através de movimentos lentos, ele fez impressões do seu corpo sobre a superfície do espelho continuamente umedecida pelo seu hálito e o seu suor. Não eram apenas impressões digitais, eram impressões da totalidade do corpo, desde o calcanhar até o pescoço.

Alguns dias antes da performance, Alberto Ribas disse em entrevista ao O Globo que gostaria de se apresentar nu, mas em virtude das dificuldades decorrentes desta pretensão, acabou vestindo apenas uma sunga.

Durante pouco mais de meia hora em que Alberto Ribas se contorceu silenciosamente sobre o seu reflexo, a atmosfera da galeria era de perplexidade. Algumas pessoas transitavam na parte de cima, de modo que o artista pudesse ser visto de diferentes ângulos. Ao fim, sempre inesperado, porque Alberto Ribas se levanta repentinamente dando um sorriso sutil para o público, resta a certeza de que os seus movimentos, mesmo quando coincidem com uma ação inteligível pragmaticamente, são uma contrapartida das ações que os dançarinos geralmente recalcam por terem os seus corpos submetidos às diversas tradições.

(*) Por Alfredo Herkenhoff. texto publicado no semanário Opinião em 3 de setembro de 1976.

No texto, para este Correio da Lapa, foram feitas duas extrações de informações só agora exibidas aqui a seguir. A retirada de dois nomes de galerias extintas no original foi para evitar que, já durante a leitura, datasse o artigo como da década de 1970. Apenas isso.
Eis as supressões devolvidas:

(** 2) , na Galeria Buarque de Hollanda e Paulo Bittencourt:

(*** 3) no dia 6 de agosto na Petite Galerie, Rio,

Fachada do Teatro Colón

E não adianta sair procurando por Alberto Ribas na internet. Dançar no Brasil é desaparecer. Este dançarino argentino voltou para Buenos Aires e morreu de infarto, anos atrás, quando ensaiava no Teatro Colón. Por anos, Alberto Ribas integrou o corpo de baile do Teatro Municipal. Qualquer hora dessas mostro uma ampla entrevista com Alberto Ribas, que fiz para o falecido jornal Última Hora.