O carioca entre cigarros, cocos e a morte do bom senso
Publicada em 23 de novembro de 2009 no site de O Globo
Do leitor Claudio Jorge Reis de Castro com aplausos deste Correio da Lapa
Estão matando ciganos! Tudo bem, eu não sou cigano... Estão matando índios! Tudo bem, nunca passei nem perto de uma tribo... Estão matando os cariocas! Opa, aí sou contra! Por que me matar? Não fiz nada!
Isso é exatamente o que está acontecendo no Rio, aliás no Brasil todo, com as atuais "leis festivas de proibição geral". Estamos nos tornando, cada vez com mais alarde e apoio quase geral, um Estado policial que, ao invés de criar leis educativas e democráticas, tem se dedicado apenas a criar leis proibitivas e autoritárias.
Antes que perguntem: sim, sou fumante. O que atualmente é quase que admitir ser um assassino em massa. Um genocida em potencial.
Quando surgiram os primeiros rumores de que o fumo seria proibido em todos os locais, até os abertos, uma multidão de não fumantes vibrou como quem comemora um gol de final de Copa do Mundo. Eles não são ciganos!
Agora proibiram o "coco nosso de cada dia de sol". Existe algo mais carioca que o trio "praia+água de coco+biscoito Globo"? Mais uma vez uma leva de defensores da ordem vibrou com a notícia: tem mais que proibir a bagunça na areia. Eles não são índios!
E quando chegar a vez dos "cariocas"? Quem defende essas leis, pensando somente na sua realidade, esquece que uma hora virão outras que poderam atingí-los diretamente. Inevitável como o tempo. E aí? Como ele irá aceitar o entusiasmo de outros defensores do projeto que tanto o afeta? Será que irá lembrar de como cooperou com as leis anteriores? Com quem ele irá contar para questionar a criação da lei se somente seu grupo é prejudicado e os demais só se preocupam com seus interesses?
Vejam bem, não defendo que todos devem ficar sujeitos à fumaça de cigarro ou aos entulhos de coco na areia da praia. Meu ponto é que existem alternativas democráticas, para não dizer de bom senso, para estas questões, sem ter que se recorrer à proibição radical. No caso do cigarro, poderíamos proibir em locais onde as pessoas não têm opção de ir ou não, como bancos e repartições, mas, no caso de bares, facultar ao dono do estabelecimento a política de fumo adotada.
Nesta linha, o dono do bar terá que informar se em seu espaço pode fumar ou não. Em caso positivo, deverá pagar adicional de insalubridade para os garçons. Desta forma, quem quer fumar vai a um bar onde fumo é aceito. Quem é contra vai a outro, onde não é permitido. Liberdade para o empresário e para o cidadão! Hoje os fumantes não têm liberdade de consumir seu produto, legalizado, de forma tranquila. Perderam a liberdade.
Quanto ao coco, por que não fiscalizar e punir aqueles que largam lixo na praia ao invés de proibir totalmente? Mais uma vez, as pessoas conscientes em cuidar manter a limpeza do nosso ambiente foram penalizadas. Perderam a liberdade.
Não podemos esquecer também da cerveja ao redor no Maracanã. Por causa de poucos arruaceiros que bebiam e causavam tumultos, decidiu-se proibir radicalmente todo o consumo e venda de bebidas ao redor do estádio. Mais uma vez, uma multidão, em sua maioria não apreciadores de cerveja, comemorou. Por que não fiscalizar e punir os baderneiros ao invés de proibir tudo? O comerciante local, pagador de impostos, que tem sua maior renda nos dias de jogos, perdeu. O cidadão de bem, que só quer beber sua cerveja no dia do jogo de seu time, também. Perderam a liberdade.
Só neste texto já citei três exemplos de leis recentes que nos privaram de liberdade, não de todos os cidadãos, mas de grupos específicos. Estamos vivendo uma época ruim, onde o radicalismo está prevalecendo sobre o bom senso. Onde a proibição está superando a educação. Proibir não educa, fiscalizar e penalizar sim. Nunca o "É proibido proibir" foi tão atual... É uma época onde estamos olhando para nossos interesses sem pensar no próximo. Sem nem lembrar que nós somos os próximos.
Estão matando os ciganos! Estão matando os índios! Estão matando os cariocas! E o bom senso já morreu faz tempo!