domingo, 13 de setembro de 2009

Editorial: o caso Cesare Battisti: STF ameaça Lula

Editorial do Correio da Lapa:

Extraditar Cesare Battisti

é transformar Lula

num Manoel Zelaya

A voz, algazarra nas ruas do Rio de Janeiro, critica violentamente as decisões frias, técnicas e afrontosas do Supremo Tribunal Federal contra as legítimas decisões políticas do Poder Executivo, num crescendo que põe no ar uma crise institucional e ameaça a democracia no Brasil.

O Supremo vem há algum tempo usurpando funções do Legislativo e Executivo. Agora quer cassar a decisão do governo Lula de dar asilo político a um italiano, sob alegação de que Cesare Battisti teria cometido crimes de natureza comum. Quer dizer que o Supremo dá mais valor às investigações transcorridas 20 anos atrás na Itália do que à avaliação política do governo Lula seis meses atrás, decidindo conceder asilo? A concessão de asilo não pode se sujeitar ao mérito da investigação policial de um país longe do Brasil.

O pedido de extradição feito na Itália, governo suspeito de Silvio Berlusconi, está se lixando para uma crise institucional no Brasil. Mas a voz das ruas brasileiras, não. Esta pega de pau o chefe do Supremo sem pena nem dó, pega do mesmo modo como o chefe do Supremo de Honduras pegou de jeito, sem pena nem dó, o fazendeiro milionário Manoel Zelaya, presidente retirado de sua própria casa, em Tegucigalpa, ainda de pijamas, porque ousou brincar de Hugo Chávez, ousou sonhar em se perpetuar no cargo.


O Supremo no Brasil não está vendo nada do que acontece nas ruas nem nos gabinetes do primeiro escalão do governo Lula. O Supremo não está sabendo nada da História, ou se souber, o caso é ainda mais grave. É crise institucional quase iminente.


O Supremo, entre julgamentos menos ou mais polêmicos, parece agir como se tivesse o rei na barriga. Esqueceu que a França deu asilo ao sanguinário Imperador Bokassa? Que a França deu asilo ao sanguinário Baby Doc Duvalier, do Haiti de milicianos assassinos a serviço do presidente? Esqueceu que o Brasil deu asilo ao ditador Stroessner? Esqueceu que não é função do Judiciário exercer papéis específicos de outros Poderes Constitucionais?

O Supremo está se lixando para a opinião pública, está ignorando que as leis vêm dos costumes. E a paciência, quando se perde, ataca primeiro os representantes mais óbvios e elevados do poder, ou seja, os maiorais. E os magistrados das três letrinhas não vão tirar de letra se continuarem nessa batida louca de ignorar que são de carne e osso e têm pescoço.


O Supremo está parecendo uma seita, um clube de vaidades, de filigranas, os togados achando que a transmissão pela TV de suas votações impressiona alguém, como se aquele palavreado cheio de jargões não fosse outra forma de mostrar desrespeito aos novos tempos.


O Supremo pensa que está botando ordem na política, quando está todo mundo vendo que a instância jurídica máxima está indo para o brejo. Corpo híbrido, nomes eleitos por Fernando Henrique e Luiz Inácio ao sabor de indicações marotas, partidárias e políticas, tribunal de votações apertadas, cassações de governadores em fim de mandato, sob acusação nebulosa de desmando comum a todos os candidatos, e os ministros botando no lugar dos cassados pretendentes não apenas derrotados nas urnas, como ainda mais envolvidos em corrupção dos que os expurgados de seu cargos. Os novos empossados em alguns casos apenas souberam se resguardar das garras da investigação, mas não convencem ninguém nas ruas de que não se valeram do Supremo Tapetão.

Fazer o que? Esperar 20 anos para Gilmar Mendes envelhecer de vez e se aposentar? Ou plugar o ministro Cesar Peluso no turbilhão Twitter da ignomínia até que, cansado de tanto levar bordoada na têmpora da imagem, de tanto levar porrada da plebe ignara digitando nos cibercafés das sarjetas, peça este ou outro magistrado o boné antes da hora, antes que a vaca vá realmente para o brejo, com ânsia de vômito, mas sem direito sequer a um Plasil.

O Supremo parece Mula Sem Cabeça mergulhando numa crise. Pois parece óbvio que antes que Hugo Chávez defenda o uso da guilhotina em Brasília, os 80% de admiradores de Lula fariam o serviço sem nenhum arrependimento. O Supremo, nessa batida, vai virar a Ilha Fiscal da Lei. O Supremo ameaça levar Lula a uma guinada de volta para o velho PT radical, a um hugochavização do poder no Distrito Federal. Lula não quer quebra institucional. Já o Supremo parece com fixação em propiciar a desmoralização dos principais nomes dos Poderes Executivos, federal e estaduais.


Por causa de uma leitura tão atenta quanto absurda dos documentos processuais e investigatórios da Itália, envolvendo pedido de extradição de Cesare Battisti, juízes do Supremo ameaçam desmoralizar o governo Lula. O presidente operário vai ficar parado?


Ignorar que estão ameaçando provocar uma crise institucional já é prenúncio de que a crise está em marcha batida, com 11 supermagistrados, semideuses com a toga guerrilheira, a casaca da pureza dos autos, o casacão dos generais, o roupão que não socorre ninguém que não tenha fortuna, excelentes advogados e amigos encastelados na burocracia.

O Supremo causa mal-estar no Brasil das ruas. A ordem constitucional não pode ser quebrada por 6 a 5. O voto de Minerva está na voz das ruas, aquela que Joaquim Barbosa, num laivo, numa rebelião fora do rito respeitoso, ousou botar na TV, exibindo uma inconformidade aos gritos para todo mundo compreender que existe sim um incêndio a ameaçar a estabilidade da democracia brasileira, e são poucos, menos de 11, os piromaníacos da lei.

Em todo grupo há joio e trigo. Numa metáfora meio tosca... Mas se seis dos 11 magistrados do Supremo fossem corruptos, quem os cassaria dos cargos? Os outros cinco ministros?

Crise institucional significa impasse. Não parece haver conspiração no Supremo, apenas despreparo, vaidade e prepotência.

O Brasil talvez mergulhe num processo de aprendizado sobre como derrubar nomes do Supremo. E tudo já leva a crer que isso acontecerá por meio da informação democrática, talvez primeiro via internet, numa segunda e derradeira etapa, via nomes dos Poderes Executivo e Legislativo, sem alarde, apenas com a ajuda da grande imprensa numa operação de solapa.


Ontem foi Joaquim Barbosa, hoje é o ministro da Justiça, o petista Tasso Genro, da pasta que é a inimiga numero 1 do Judiciário Máximo. E amanhã?

A imagem do Supremo nas ruas do Rio de Janeiro é semelhante a que se faz do senador José Sarney. Este parlamentar, ainda que respeitável decano, com reputação ilibada segundo as leis e os processo arquivados, não está bem na fita.

Teremos um voto decisivo daqui a duas semanas; outros votos poderão ser revistos até lá. Por favor, dêem uma casa para Cesare Battisti viver em paz os seus dias de opróbrio, de exílio, tal como fizemos com o sanguinário ditador de Assunção. Nesse momento, o fato menos importante é determinar se Battisti seria criminoso comum ou político. Também é irrelevante à essa altura uma eventual irritação do governo italiano ante uma confirmação do asilo. Senhores magistrados, não exilem forçadamente o bom senso. A política não perdoa. E os políticos do Congresso Nacional estão atentos para arrumar uma crise expiatória.

O Brasil está tão frágil que se Lula e a TV Globo mandassem o povão gritar anauê! Ou fogo! em vez de ver novela das 8, a multidão de dezenas de milhões não teria dúvida em obedecer.

Essas reflexões não são totalmente partilhadas pelo Correio da Lapa, no que este blogue-jornal de cunho autoral tem de pessoal. Ao contrário, este editorial apenas reflete ecos das ruas do Rio de Janeiro.

Por Alfredo Herkenhoff