Cuidado com a danada... Cachaça... Que mulher é essa?
Dedé, irmão de Sérgio Sampaio (com cigarro), parceiro de Raul (D), morreu de fome.
Por Alfredo Herkenhoff
Um dos irmãos do cantor Sérgio Sampaio, Dedé Caiano, compositor bissexto e parceiro de Raul Seixas na canção Anos 80, era poeta por insistência, sonhava em levar a poesia concreta para a periferia da pequena cidade capixaba de Cachoeiro de Itapemirim. Não que fosse aquela competência na arte de poetar, mas, entre folhas xerocadas e a frustração no que deveria ter sido a sua noite de autógrafos, o autor pegou os 20 exemplares da obra mais recente, cerca de 40 páginas, e diante de tantos ausentes, gritou às gargalhadas: “Vou lançar meu livro”. E jogou todos os 20 exemplares nas águas plácidas do Rio Itapemirim, o mesmo que recebera as cinzas do cronista Rubem Braga quase à mesma época.
E sempre às gargalhadas, iguaizinhas às que Sérgio Sampaio dava no Baixo Leblon, daquelas em que a voz fica fininha que nem miado de gato, Dedé Caiano concluiu: “Pronto. O livro está lançado”.
Na virada do milênio, Dedé Caiano morreu. Foi encontrado sozinho num casebre, caído no chão. Levado às pressas para a Santa Casa de Misericórdia, não resistiu. Causa Mortis, devidamente assinada e noticiada pelo colunista Ricardo Boechat: desnutrição. Dedé, irmão de Sérgio Sampaio, parceiro de Raul, morreu de fome. Não que lhe faltasse comida em Cachoeiro, faltou-lhe força para continuar a viver.
Outro irmão artisa em apuros
Era possível até achar que a vítima seria o último irmão de Sérgio Sampaio a padecer assim. Mas o irmão de Dedé, Helinho Sampaio, tragado pela danada que acelera o tempo, navegando na saudade dos dois irmãos mortos, hoje vive na rua, na mesma pequena cidade entre as serras, doce terra onde eu nasci. Aliás, o autor desta canção, o hino Meu Pequeno Cachoeiro, que Roberto Carlos fez ficar famosa em todo o Brasil, é Raul Coco Sampaio, primo dos artistas malditos.
O que fazer para ajudar Helinho? Talvez chamar Sebastião Prata para ajudar. Mas o filho do pequeno Grande Otelo anda por aqui, precisando de um cascalho pelas calçadas da Lapa. A propósito, Grande Otelo tem músicas gravadas e inéditas, em parceria com vários boêmios da Lapa. Não sobrou nenhum cascalho para Pratinha?
A música Que mulher danada, que Sergio Sampaio, Luiz Melodia e outros gravaram, é de autoria do velho Raul, não o autor do hino, mas do outro Raul, o pai dos meninos malditos de Cachoeiro de Itapemirim. O Raul pai era sapateiro, fazia tamancos e regia uma lira. Compunha hinos e samba malandro, com grande versatilidade. Se lembra daquele verso? Ela é uma jararaca, com ela eu me casei...?
Brasileiros que andam se amasiando com a danada estão sofrendo mais do que é justo sofrer. E os nossos queridos malditos mortos, não importa onde estejam, se no andar de cima, no quinto dos infernos, ou numa roda de estrelas celestiais da MPB, estão preocupados. “Eles deve de tá querendo ditar” alguma coisa cá pra esse mundo de gente muito viva. Cuidado com a danada.
Com ou sem a danada, a MPB é boa sim, mas a mendicância parece ainda mais tinhosa, grassando sem graça no salão nacional. Está até fácil compreender por que a escritora Clarice Lispector uma vez definiu o Rio como a cidade de “seiscentos mil mendigos”, assim mesmo, por extenso. Assim o fez para a gente entender a extensão da pobreza. Aparentemente, ela não estava se referindo aos artistas nem aos parentes diretos dos que fizeram algum sucesso. Estava se referindo a ela mesma, que terminou seus dias na pobreza, no Leme, escrevendo para comer.
Será que não sobra nenhum cascalho para tantos artistas libertários que estão e estarão sendo escravizados pela danada? Será que não sobrou nenhum cascalho para os poucos sobreviventes da danada? E o programa Fome Zero, será que não sobrou nenhum cascalho? O que fazer?
Bota mais uma dose.