Ontem um autor me perguntou à queima-roupa: "O que é quarta capa?" Eu, num primeiro instante, pensei, "Ora! Todo livro tem e ele não sabe". Depois, ponderei: "Eu deveria ter dito contra capa". Mas acho que nem esse termo ele saberia, pois esse publiquês só é usado por editores e autores iniciados, não iniciantes.
Há palavras que são utilizadas no dia a dia da editora e falamos sem pensar: "Veja o colofão". "Está na página de crédito". "Verifique a folha de rosto". "Não se esqueça da falsa folha de rosto". "Cheque o índice" (essa é fácil). "Qual a mancha da página?" "Qual a entrelinha?" "Vamos começar a diagramação". "O projeto gráfico ficou interessante". "Ficou bom o layout do livro". Hã?
É como conversa de médico, advogado ou economista, só eles entendem. Falem português!, diria um autor mais aflito. Então, quarta capa ninguém sabe. É que a primeira capa é a da frente, aí temos a segunda e terceira dentro do livro e a quarta é a última, de trás... "Ah, por que não explicou logo?"
Hoje, também, me perguntaram: "O que é produção editorial?" Parece que estamos falando chinês, não é? Querida, é justamente o trabalho de fazer o livro, sem a produção editorial o livro não existe.
Tem pessoas que imaginam que livro é xerox: "Imprime meu livro aí", e apertássemos um botão e saísse o livro pronto do outro lado. É quase isso, mas só depois de ajustarmos, alinharmos, arrumarmos, checarmos, revisarmos e gramarmos para colocar tudo no lugar certo, e haja olho para achar todos os errinhos que ficam escondidos atrás dos outros, pois vemos um e não vemos outro, logo ao lado.
Quantos mais erros houver num original, mais difícil de pegar todos: um erro sempre acaba passando, que vem desde a primeira digitação feita pelo autor e resiste a todas as revisões, e passa, invicto, para a impressão, gritando: "Ehhhh, vocês não me pegaram!"
Que coisa... É o pesadelo de qualquer editor. Há erros pavorosos que ficam na capa, na contra capa, na orelha, no fronstispício (essa é nova, né?), no cabeçalho, na dedicatória, etc., etc., etc.
Não existe uma edição sem erro. Se não houver nenhum erro aparente, sempre há algum escondido, que só o editor vê. E ninguém vai saber onde está, só um olho mais arguto vai conseguir perceber a discrepância.
Um dos meus livros, "Lilases", saiu sem erros. Nenhum erro ortográfico. Mas na hora de imprimir uma imagem na segunda e terceira capas (internas), imprimiram de cabeça para baixo. Só eu sabia disso. O livro já esgotou, e ninguém percebeu mesmo, só se olhasse com muita atenção para ver que uma das imagens da capa estava reproduzida dentro, só que de ponta-cabeça.
Isso me convenceu que esses erros só acontecem para nos provar que não somos Deus. Que fazemos livros "quase" perfeitos. Que para se fazer livros perfeitos é preciso muita, mas muita sorte e competência. Quem lida com edições sabe os azares que assomam os livros na hora da impressão. Como existe o anjo da impressão, existe o anjo sabotador de impressão. Essa é uma tese antiga minha que vejo toda vez ser corroborada.
Quando eu digo a um autor: "Preciso de um texto para a orelha". Ele responde: "O quê? Quem escreve isso?" Os autores novatos que me perdoem, mas um pouco de conhecimento editorial é fundamental. Vejam os livros à sua volta e descobrirão neles como fazer o seu, pelo menos a entender como eles são feitos.
Podemos evitar falar o publiquês, mas quando entramos na seara de um profissional, temos de chamar as coisas pelo nome que elas têm, e não dá para chamar colofão de outro nome - página de fechamento do livro, pode até ser - mas ninguém chama bisturi de "faquinha", é bisturi e ponto.
Assim, aprendemos, aos poucos, as palavras que cercam o ofício de publicar - livros são sedutores, eles nos ensinam o que não sabemos, seja lendo-os ou fazendo-os.
Rio de Janeiro, 6 de novembro de 2009 - 1h10
Por Thereza Christina Motta, da Ibis Libris
http://ibislibrisbooklog.blogspot.com/