quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Editorial Cesare Battisti, Lula, Berlusconi & Gilmar Mendes

Este Correio da Lapa recebeu um email de internauta, pedindo anonimato, irritado e ameaçando deletar, to erase, o endereço deste blogue-jornal-estapafúrdia das ruas, tudo isso por causa de um post em que se estampou aqui, dias atrás, a seguinte metáfora: cassar o asilo, o status de refugiado politico do ex-guerrilheiro comunista italiano Cesare Battisti, equivaleria, para o Supremo Tribunal no Brasil, a fazer com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva o que o Supremo de Honduras fez com o presidente Manoel Zelaya, retirado do poder e de sua casa, de pijama, de madrugada em Tegucigalpa, e expulso do país, jogado feito mendigo num terreno baldio de uma pobre Costa Rica vizinha.

Claro que foi um exagero deste CdL.

Battisti nega os quatro homicídios pelos quais é acusado e pelos quais foi condenado à revelia à prisão perpétua. Battisti teve, oficialmente, durante 12 anos, o status de refugiado político na França do presidente François Mitterrand. A Itália, naquela longa ocasião, pediu de volta o cabra safado, mas, Paris, nada. Roma não chamou embaixador, não fez este estardalhaço midiático como faz agora o governo do premiê Silvio Berlusconi contra o governo Lula em Brasília.

Os tempos mudaram. O mundo deu uma guinada liberal à direita. Com o fim da era de Mitterrand e sua doutrina, Battisti pôs o pé na estrada, começou a fugir de país em país: México e Brasil, onde está preso há dois anos. Virou escritor, publicou vários livros de literatura e memórias, renunciou à luta armada etc e tal.

Aqui no Brasil, o ministro socialista petista Tarso Genro, da Justiça, um moderado perto da filha radical Luciana Genro, contrariando parecer de 4 a 3 do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), entendeu que havia elementos para pressupor que Batttisti tinha o sentimento de perseguição e que os crimes a ele atribuídos poderiam ser, de alguma forma, uma decorrência dos anos de chumbo, que na ocasião na Itália estavam quase acabando, fins dos anos 70.

O último dos quatro assassinatos, todos tidos na Itália como crimes comuns, nada políticos, ocorreu em 1978 ou 1979. Dois deles ocorreram no mesmo dia; há suspeita de que num caso o tiro foi de filho contra o próprio pai, sem querer. E a Itália só conesguiu condenar Battisti à revelia no início de 1989.

A lei brasileira é clara: aqui não existe prisão perpétua; a máxima é de 30 anos, mesmo que haja acúmulo de homicídios, e a lei é clara dizendo que, com a sentença ao largo, tempo passando em branco para um condenado à revelia, decorridos 20 anos de uma pena máxima de 30, a culpabilidade está prescrita. Os advogados de Battisti tentaram por aí, mas pintou um sortilégio na contraparte: a data da prescrição pela lei brasileira seria 2011, porque houve um recurso na Itália, e a condenação confirmando a perpétua só transitou em julgado em 1991.

Mas como o que houve em 1991 só confirmou a condenação, fica a dúvida: teria havido ou não a prescrição?

Este CdL nada tem de jurídico. Aqui se comenta a fala das ruas, registramos algumas leituras esparsas do noticiário, incluindo alguns sites jurídicos, mas tudo apenas para levantar a questão política subjacente no caso.

Tasso Genro tem sido acusado na mídia de ter concedido o asilo por se identificar ideologicamente com o estrangeiro, ou seja, não teria respeitado o princípio da impessoalidade.

Meu Deus, nesse sentido, tudo o que Gilmar Mendes faz na Justiça contra a imagem de Lula é suspeito de ser também algo com ares de pessoalidade: ele foi posto no Supremo ainda jovem pelo seu amigo Fernando Henrique Cardoso, rival de Lula. Gilmar Mendes, com tanta presença na mídia, já é visto, nas ruas do Rio, como uma quinta coluna dos tucanos no topo do Judiciário. Estaria só exercitando a jurisprudência? A qualquer hora, Gilmar pode ferrar com Lula, a pretexto de vigiar a constitucionalidade de seus atos.

Tudo isso é especulação.

O julgamento de Battisti foi interrompido, dias atrás, no Supremo, quando estava 4 a 3 contra o italiano. Há uma grande chance de Gilmar Mendes exercer o voto de Minerva, o de desempate, daqui a cerca de 10 dias, dando ordem para Battisti ser levado de volta à Itália. Lula tem recursos técnicos e políticos para não acatar a ordem de afogadilho. O presidente tem direito a tempo, razões de Estado, e o tempo pode ser fatal para algum dos Três Poderes em Brasília

É estranho como todo o processo nunca envolve certeza, unanimidade. É judo difícil, acusações, provas, condenações, convicções, votações etc.

Quando a França decidiu extraditar Battisti, depois de uma negativa, anos antes, nesse sentido, por parte do Tribunal de Recursos de Paris, só o fez depois que a nova presidência no Palácio do Eliseu deixou claro, e de público, que não se opunha a uma decisão do Judiciário de entregar o italiano à Justiça de Roma. Ou seja, não houve atropelamento de atribuições por parte de Poder Judiciário sobre o Executivo.

No front político, já se desenhva nos votos das urnas uma tendência direitista a galope. Qualquer comentarista da imprensa sabe que Battisti foi peça de propaganda no tabuleiro de campanhas conservadoras em eleições na França e Itália dos últimos anos. Battisti, sem querer, ajudou o atual presidente NIkolas Sarkozy. Battisti pode hoje ajudar Berlusconi a abafar o imbroglio repentino das festinhas com as veline, as meninas de programa que sonhavam, além de ganhar uns trocados de 2 mil euros por noitada, em virar candidatas da coligação no poder ou apresentadoras de televisão - Berlusconi domina tudo: as poderosas Rai TV, que é estatal, e a Midiaset, a Rede Globo de lá.

No Brasil a grande maioria não nutre a menor simpatia por Battisti. Mas nessas pesquisas rápidas de internet e papo nos botequins, percebe-se que o caso envolve preconceitos e ignorância. A maioria quer vingança, punição exemplar para um asssassino safado, talvez seja este o melhor destino para Cesare Battisti. Talvez mereça isso, mas o caso ganhou contornos políticos. Lula, representando o povo brasileiro, não merece escárnio, via Battisti, nem do Supremo de Gilmar nem do Governo de Berlusconi.


Mas vale lembrar: Cesare Battisti, o original, foi um super militante comunista no tempos dos czares. Nasceu em1875 e morreu jovem em 1916, aos 41 anos de idade. Com essa idade, Gilmar Mendes ainda devia estar perto da Agu (Advocacia Geral da União), cuidando dos caroços dos tempos de apagão da era FHC.

Ou seja, o atual Ave Caesere Battisti, o III ou IV, de 50 e poucos anos, foi, ainda adolescente, arremetido pela tradição de seu homônimo italiano para dentro da luta armada num tempo do terror das Brigadas Vermelhas e também tempo em que havia em Roma e no mundo um terrorismo de direita. Era a Itália de anos de chumbo, sim, guerra suja, serviços secretos no meio da democrazia cristiana. E Guerra Fria no Mundo. Se pudessem, agentes na terra da Máfia mandavam militantes urbanos para a vala.

Como não dar o benefício da dúvida para o condenado italiano num processo tão confuso, com torturas, delações midiáticas e suspeitas? Como não dar esta dúvida a ele que vive há 30 anos apenas fugindo, escrevendo e esperando onde vai continuar a escrever ou continuar a fugir talvez de si próprio, ou de suas culpas? Falar que a Itália é democracia e que a Justiça lá fez e faz tudo certinho é querer condenar politicamente Lula e massacrar Battisti sem direito de defesa nem julgamento justo.


O Brasil pode garantir a Battisti uma quase prisão domiciliar, tal como aquela em que viveu durante uns 20 anos, em Brasília, o ditador sanguinário Alfredo Stroessner do Paraguai. O que está em jogo não é mais Battisti e suas possíves culpas hediondas, mas o governo Lula (no que este tem de mais sagrado: o poder de tomar decisões políticas no cenário das relações internacionais) pela ótica hondurenho-intervencionista do Supremo Tribunal Federal.

A questão em jogo nada diz respeito mais a culpas ou inocência de Cesare Battisti, o Moço. O que há em curso no Brasil é uma tendência de o Poder Judiciário, por sua instância maior, humilhar os Poderes Legislativo e Executivo, em boa parte por incompetência dessas duas instâncias. O Supremo julga mal porque os processos que lhe chegam à mesa são mal formulados, com investigações falhas, ilegalidades, vícios etc. E o Supremo fica mal falado nas ruas do Rio de Janeiro porque, não sendo um poder ingênuo, e sabendo dessa dificuldade processual histórica, decidiu tomar decisões que são prerrogativas dos outros Dois Poderes. Ou seja: em nome da tecnicalidade constitucional, da legalidade formal, o STF cria fatos políticos de perigo crescente, um impase institucional.

Quando antes um Supremo no Brasil cassou um ato do Poder Executivo em matéria internacional?

Diante desse perigo, as velhas raposas na liderança do Senado tentaram esta semana, anteontem, aprovar lei para que, toda vez que o Supremo cassar um eleito para algum Poder Executivo qualquer, haver outra eleição. A Câmara rechaçou esta iniciativa nesta quarta-feira, 16 de setembro. O Senado estava tentando se precaver contra essa ingerência de Gilmar Mendes e seus magistrados de cassar os vitoriosos e diplomar os sucessores: os segundos colocados nas urnas.

Está difícil compreender o que se passa apenas com esses reflexos das ruas estampados aqui no Correio da Lapa.

Não existe prova cabal, aquela material, contundente, de que Battisti cometeu quatro homicídios comuns ou políticos. Ele nega. Não matei ninguém, diz. Foi acusado por ex-companheiros, quer dizer que todos viraram bandidos comuns? Foi delatado por pessoas que se beneficiaram com a Lei dos Arrependidos. No processo rolou tortura.

A Lei dos Arrependidos, Operação Mãos Limpas... No que deu essa politica jurídica na Itália? Meia dúzia de suicídios, meia de juízes assassinados, meia de mafiosos presos. Mas a Cosa Nostra continua inteira, leve, solta, serelepe e conduzindo políticos e política no dia-a-dia.

As meninas de programa que andaram frequentando as baladas de Berlusconi, na Villa Certosa e no Palácio Grazioli, estão assustadas. Um fotógrafo que registrou algumas delas fugiu da Itália; uma menina teve o carro incendiado numa rua; outra está paranóica. Na terra da Máfia original, Battisti talvez ainda vire um santo.

As condenações de Battisti sempre preservaram dúvidas processuais. O caso é um imbroglio.

Há ongs para tudo no caso: grupos de direitos humanos e desumanos, falhas no processo à revelia. Teria Battisti direito a novo julgamento se o Brasil o entregasse a Roma? Provavelmente, mas a Itália nunca esteve tão conservadora, tão pró-EUA nessas coisas midiáticas de vingança, de enterrar a vergonha da segunda metade do século passado com condenações toscas. Battisti é um excelente bode expiatório.


Se o Supremo acertar a devolução do condenado italiano, ainda cabem recursos no Brasil; o Conare poderá de novo analisar um novo pedido de refúgio político. O ministro Tarso Genro, que andou abrindo fogo na mídia contra o Supremo, pode de novo conceder status de refugiado, pode reabrir o processo com novas alegações. O ministro, alegando razões de Estado, poderia sair de uma reunião com Lula e anunciar novas alegações de Estado.

No horizonte próximo, agiganta-se uma crise institucional, para gáudio de Gilmar Mendes e de setores tucanos da mídia.

E finalmente, o próprio presidente Lula pode, como comandante Supremo da Nação, invocar razões de Estado e pedir prazo para que o Brasil não cometa um erro histórico apenas por se ater aos suspeitíssimos autos da burocratésima Justiça italiana sob o comando político de Berlusconi.

Se assim o fizer, Lula estará afrontando com altivez essa avalanche conservadora que grassa nos governos e eleitores de países da Europa Ocidental. Apesar de toda a vergonha das bacanais documentadas, Berlusconi se deu bem nas urnas dois meses atrás.


Numa última esperança para Battisti, o governo do PT com PMDB ainda pode segurá-lo por aqui por um tempo, mesmo com aprovaçao pelo Supremo de sua extradição, mas talvez Lula não consiga segurá-lo até 2011, quando, aí sim, não iria mais pairar dúvida sobre a prescrição.

E se não consguir manter a sua autoriade íntegra, ou intacta, talvez Lula também não consiga segurar a candidatura da ministra ex-guerrilheira Dilma Rousseff, para gáudio de Gilmar Mendes e de setores tucanos da grande mídia.

Aqui neste CdL nada há de pessoal. Battisti foi apenas um guerrilheiro urbano de um passado que vai ficando remoto. Talvez merecesse mesmo a pena máxima, a capital.

Mas como a midia está tratando o caso .... Com a politicagem, o partidarismo tardio, tanto de esquerda quanto liberal, e com tanta vaidade no Supremo, acima de tudo...

Resta uma última sugestão: pilhéria pura do botequins recém-chegada a este CdL: levar uma Raimunda para Battisti papar no Presídio da Papuda em Brasília. Engravidando-a numa visita íntima de amor à primeira vista, o mentiroso, o assassino covarde, o terrorista, o italiano Battisti ganhará o direito soberano de viver livre no Brasil, tal qual o ladrão Ronald Biggs de um bando que assaltou e matou na Grã-Bretanha.

Resumindo: sem provas cabais, condenado à revelia, entre torturas, delação premiada e usos eleitoreiros, além de cortina de fumaça para qualquer problema de ocasião, Battisti vai descobrir, finalmente, se tem sete fôlegos, se sabe dar o pulo do gato, como vem fazendo desde 1979, ou se vai de vez ver ou ter as suas sete cabeças oferecidas numa bandeja de prata a Il Cavaliere das Sete Colinas, Berlusconi, o Rei de Roma, Cidade Aberta.

Correio da Lapa
Por Alfredo Herkenhoff