terça-feira, 10 de março de 2009

BIOGRAFIA DE RUBEM BRAGA (parte 2)

CRONISTA CONVIVEU COM GIGANTES DE SEU TEMPO

Rubem Braga não parava quase em emprego algum. Nômade, nunca juntou dinheiro, apesar de ter criado, na década de 1960, duas empresas de sucesso: a Editora do Autor e a Sabiá. Morou em repúblicas com muitos nomes que se tornariam gigantes da cultura nacional. Houve um ano na década de 30 em que mudou de casa seis vezes. No Catete, morou com Graciliano Ramos, enquanto este escrevia Vidas Secas.
Vivia das crônicas e de eventuais reportagens especiais. Bebia, endividava-se, pagava dívidas e recomeçava. Nunca deixou de alimentar nostalgia da infância. Voltou a Cachoeiro pouco mais de uma dúzia de vezes em seis décadas. Mas sempre carregou a cidade consigo. Ateu, criou um diálogo em que São Pedro o deixava entrar no céu quando revelou: “Modéstia à parte, sou de Cachoeiro de Itapemirim”. A cidade tem o santo como padroeiro.
Embora boêmio e dado a fumar maços por dia, foi exímio nadador, em mar aberto, em Marataízes, onde saía 100 metros afora da costa e dava braçadas por três ou quatro quilômetros sem perder o fôlego.
Uma vez, na Bahia, já na meia idade, ciceroneado por Renato Archer e sua mulher, Rubem, impaciente com a lentidão de um barco na hora de atracar, jogou-se ao mar e preferiu chegar a nado.
Romântico, tratava as mulheres, especialmente as mais bonitas, de modo distinto com o que fazia com os homens. A elas servia, seduzia. Namorava algumas, frustrava-se com outras, mantinha vínculos platônicos. Tinha sentimento de posse de mulheres lindas como um ciúme doentio, o que levou a brigar com amigos. Depois aceitava a paz. Queria Lygia Marina, que preferiu se casar com Fernando Sabino. Foi duro, mas conseguiu não romper com o casal. Quando recebia em casa, dizia aos homens que arrumassem bebida, que fossem pegar na geladeira. Não saída da rede. Com as mulheres, mesuras, era todo atenção.
Na boemia, seu silêncio ganhou fama e o levou a ser apelidado de Urso pelos amigos. Rubem estava mais próximo de artistas plásticos e escritores do que de jornalistas na rotina diária das redações. Seus interlocutores na imprensa eram poucos. Apesar da prolixidade em milhares de crônicas, era, pessoalmente, taciturno; dormia em mesas de bar. Mas não se embriagava de perder o equilíbrio. Três generosas doses de uísque e estava no ponto, pronto para dormir ou achar a frase certa, a frase da noite, a frase histórica.
Rubem Braga trabalhou para quase todos os grandes veículos de seu tempo, incluindo O Globo, Estadão e JB. Bateu muito em Getúlio Vargas e noutros presidentes. Nunca levou desaforo de dono de jornais. A polícia o importunou poucas vezes. Nunca o torturaram. Encerrou 15 anos de colaboração com a Manchete quando Adolfo Bloch, orgulhoso, numa noite especial no restaurante Antonio’s, saudou o cronista dizendo que era o melhor escritor de sua revista. Rubem respondeu ao elogio, diante de celebridades, desafiando o empresário a revelar a vergonha de uma remuneração. Foi demitido no dia seguinte.
Na Folha de S. Paulo ficou poucos meses. Reclamaram de sua sisudez. Quase não falava com os coleguinhas. Respondeu: escrever é uma coisa, conversar é outro negócio. Poucas pessoas puderam conversar com Rubem. Vivia envolto num tempo único, contemplativo até a tirada fundamental e inesquecível, fosse de humor, fosse de crueldade. “Um descrente que crê, um casmurro cercado de dezenas de amigos, um solitário rodeado de mulheres”. Assim Marco Antonio o definiu.
Quando informado que sua ex-mulher, Zora Seljan, o havia trocado por Antonio Olinto, saiu-se com esta: “Pode ter melhorado de marido, mas piorou de estilo”.
Conviveu, menos ou mais intensamente, com pessoas especiais como Tarsila Amaral, Portinari, Oswald de Andrade, Pancetti, Clovis Graciano, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Moacyr Werneck, Carlos Lacerda, Luís Martins, Murilo Miranda, Carlos Scliar, Lasar Segall, Pablo Neruda, Nélida Piñon, Heitor dos Prazeres, Carlos Drummond, Hélio Peregrino, Paulo Mendes Campos, Samuel Wainer, Otto Lara Resende, Gustavo Capanema, Cecília Meireles, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, Burle-Marx, Mário Pedrosa, Djanira, Di Cavalcanti, Danuza Leão, Lygia Marina de Moraes, Tônia Carrero, Noelza Guimarães, Ferreira Gullar, Vera Barreto Leite, Bibi Ferreira, Joel Silveira, JK, Jânio Quadros, Afonso Arinos de Melo Franco, Carybé, Millôr Fernandes, Edvaldo Pacote, Ziraldo, Caymmi, Zanini, Manuel Bandeira, Aníbal Machado, Manoel de Barros, Chateaubriand, Carlinhos de Oliveira, Gabriel García Márquez e mais, muito mais.
São incontáveis os casos inéditos e com detalhes levantados por Marco Antonio Carvalho envolvendo Rubem com todos esses nomes.
Tinha birra com Mario de Andrade, e não era pelo homossexualismo do pesquisador e escritor. Uma birra que ninguém que admirava ambos conseguisse explicar. Talvez fosse pelo anticarioquismo do gênio paulistano.