sábado, 29 de agosto de 2009

Sexta-feira, uma noitada na Lapa (*)


Eu queria pegar um traveco, mas...


O garçom e poeta Cícero Rodrigues, do Restaurante Nova Capela, é o mais novo parceiro de Cláudio Guimarães, autor de grandes sambas cantados por grandes nomes, incluindo Zeca Pagodinho. Claudinho, autor em parceria com Serginho Meriti daquele sucesso Quando a gira girou, compôs um samba com Cícero em que a letra diz que a canção começa a ser escrita na mesa do Capela numa noite de segunda-feira, faz sucesso na favela e amanhece em Mangueira.



Toninho Geraes (na foto abraçado com Cícero), autor de entre outros hits, o samba Mulheres, sucesso na voz de Martinho da Vila, flana solteiro pela noite de mais uma Sexta Power, e relembra frases de velhos malandros: Escuta o que um colega me disse: Eu saí pra Lapa doido pra dar a bunda, mas só encontrei veado.

Beto Monteiro, sambista de breque e intérprete, canta também o melhor de Chico Buarque e Tom Jobim, é outro conhecido frasista, autor da famosa pérola: "Santa Teresa é o único lugar do mundo onde avião anda de bonde". Pois nesta sexta-feira, depois de cantar no Severina, em Laranjeiras, Beto Monteiro deu um bordejo na Lapa e, diante de tanta mudança nos costumes, proibições estúpidas de quase tudo, choque de ordem humilhando os humilhados e ofendidos, camelôs agora duplamente desempregados, saiu-se com essa na porta de um pé sujo na Av. Gomes Freire, enquanto olhava a paisagem do bas fond. "Eu queria pegar um traveco, mas só tem mulher".

Gargalhada diante da fauna de siliconados pobres e seminus na sarjeta. E desconjuntando-se, numa contradição, Beto Monteiro arrematou outra impossibilidade: "É, acho que vou trocar um cheque com um traveco"

Piadas, gracejos, a fauna visitante andando de um lado a outro, paulistas em profusão, procurando a Lapa fora de si, quando tão obviamente está dentro de cada um. Tanta gente bonita, muita gente negra elegante e orgulhosa, a moda Obama nas mulatas balzaquianas, tudo tão esplendorosamente pop.

Música saindo pelo ladrão, calçadas tomadas pelas cadeiras diante das grandes casas na Mem de Sá e Lavradio, apenas os pés sujos foram radicalmente reprimidos pela nova administração de Eduardo Paes.


O Capela (foto acima, com o Paralama Bi Barone em pé) de tanta história, uma instituição centenária acima de seus donos, garçons e clientes, agora adotou uma regra antipática e deselegante: na sexta-feira, até meia-noite, só pode sentar e pedir chope quem também jantar. E a casa anda vazia, por motivo simples: é tanta gente na rua, sem lugar para estacionar, que o movimento cai no restaurante mais caro no horário nobre nos fins de semana. Ali só lota na alta madrugada, quando os próprios músicos e poetas perdidos se reúnem para trocar as impressões de mais um dia. Na rua, latinha de cerveja a 1,50 e a 2 reais, pode fumar e zoar. No Capela, um chope a 4,40. Ou quatro chopes e 10%, vinte pratas.

Andrade Chefia, divulgador da Império da Tijuca, amigo de Toninho Geraes, exclamou num tom fatal: "Quem não fez quando pôde não fará quando puder".

Junior, percussionista, garante que tem muita onda rolando... E na levada, este neto de Silas de Oliveira, o professor, autor de Aquarela, abre uns versos: "Meu coração, onde eu vivo atolado nem minha sombra acompanha os meus passos".
Tem sua graça, mas se está atolado, que passos são esses? São passos mentais.

O fotógrafo Gaúcho, 30 anos documentando casais boêmios na Lapa, lamenta: a Prefeitura está causando um enorme prejuízo, está ferrando a gente humilde. Só está vindo gente sexta e sábado, porque é tudo proibido. Esse choque de ordem só pode ser política, acho que não elegemos ninguém. Proíbem tudo aqui, acho que querem aparecer fazendo isso aqui para ganhar voto longe daqui. Aqui todo mundo está decepcionado.

O JAZZ ESTÁ CHEGANDO AO BAIRRO BOÊMIO; SANTO SCENARIUM

Lapa, sexta-feira, 30 casas com música ao vivo num universo com raios de 500 metros. E nesse frenesi da MPB, quase nada de bossa nova, jazz nem pensar. Se bem que, agora, ao lado do Rio Scenarium, esta casa abriu um pequeno anexo, um espaço jazzístico, o Santo Scenarium, com jazz fino de quarta a sábado, de oito da noite até uma da madrugada, galera do Azimuth presente.

Vitor Bertrami, que passou essa dica, é um senhor baterista, filho de Zé Roberto, um dos reis do antológico trio Azimuth. Vitinho se queixa: O Brasil faz muita música boa, mas está ouvindo mal. Veja que o Azimuth tem 38 discos gravados, é o mais antigo trio de samba jazz do Brasil, criado 35 anos atrás, sempre com a mesma formação. toca todo ano em Nova Iorque, Blue Notes, mas no Faustão não, nada.

LADRÃOZINHO NOS BOTECOS É MATO

E com tanto show na Lapa, tanta festa, toda noite tem um artista lamentando a perda de um microfone mais caro, ou um MD, aquele aparelhinho que grava ao vivo direto da mesa de som. É uma desgraça no Brasil a quantidade de ladrão. Na Lapa não tem crime hediondo, mas ladrãozinho é mato. Não é apenas o ocasião que faz, as peças pequenas, menores e mais caras, são uma tentação. Já perdi duas máqjuinas fotográficas e três celulares. Vai ao banheiro, e quando volta, já era. A culpa é sempe da mesa. Mesas grandes são as mais perigosas... Lapa de bijuterias, sem diamante, quantos microfones sem fio roubados a cada fim de semana? Artistas choram. Vigia o que é seu. Garçons reclamam, neguinho leva talher, copo e saleiro, imagina se não leva microfone caro?

Aparece uma velha amiga, ela exclama, que saudade, estou te procurando há um mês. Aliás, a última vez foi com você... Um mês... Com saudade... Mas hoje não, querida. Agendamos.

É triste ver na Lapa tanta gente sem condução e sem grana para voltar de carro ou táxi. Também é difícil estacionar na Lapa, E com o engarrafamento, acaba ficando difícil também para o próprio taxista. O maior problema da Lapa é: primeiro, o saneamento, a parte subterrânea em frangalhos, no verão alaga tudo várias vezes. Fedentina. E com tempo seco, a logística, o transporte, a dificuldade de chegar e sair. Muita gente desiste de ir por causa desses pequenos transtornos. Muito carro, gargalo.

A Lapa muito melhoraria se a prefeitura pensasse numa coisa bem simples: dia de semana, criar novas linhas de ônibus, Linha Boêmia, tipo de hora em hora, Lapa Zona Sul, Lapa Niterói, Lapa Zona Norte e Lapa Baixada, Caxias... E nos fins de semana, esses ônibus poderiam rolar de 15 em 15 minutos. Não faltaria passageiro e desafogaria o bairro de tanto carro sem espaço. O comércio, as casas, os artistas, todo mundo ficaria mais feliz. E haveria menos bêbados ao volante.

Rodando o quarteirão: Mem de Sá, Lavradio, Riachuelo e Gomes Freire. Tudo cheio, todo mundo animado... A Sinuca da Lapa lotada, aliás, a Riachuelo está virando uma segunda Lapa, cada semana uma casa nova, cada uma mais cheia do que a outra. Tendências.

UMA LINDA CANTORA


Sexta-feira marcou a descoberta de Rejane Luna (foto), bela cantora de Niterói, e também bela voz. Ela fez estreia na Lapa neste fim de semana. Num rápido bate-papo no Capela, deu para constatar que é talentosa, intrépida, um belo disco - Correio da Lapa aumentou a coleção -, mas, calma, você tão cedo não vai vê-la, a não ser que você cuide mais de seu repertório, de suas escolhas. Rejane Luna cantou no Parada da Lapa, ali ao lado da Fundição Progresso. Ela canta samba, bolero, rumba, MPB, rock in roll, mas tão cedo não vai vê-la no Faustão, sim, tem o My Space, é moleza confirmar o que aqui se lê. No Video aqui, La Luna vai de Perfídia...

Texto e fotos by Alfredo Herkenhoff
(com exceção da imagem da cantora, extraída de seu My Space)