quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Arte e mercado, tanto faz


                     Tela de Augusto Herkenhoff, Rio de Janeiro, 1983

Arte e mercado, tanto faz

 A qualidade de uma obra de arte e o preço da obra nem sempre andam de mãos dadas. O que faz uma tela pequena, um óleo, ser arrematada por 20 milhões e, no mesmo leilão, um outro trabalho, também a óleo, mas bem maior, ser adquirido por apenas 10 milhões? As explicações variam, mas ninguém, nenhum especialista, diz que a reposta é um mistério, ou se diz que é, não sabe qual. A formação de preço no mercado de arte decorre de uma série de fatores, subjetivos e objetivos.
 Ao ouvir essa conversa, fiquei matutando: quem esse cara pensa que é? O dono da verdade do mercado? Mais um enganador? A pequena aula de marketing e história da arte prosseguiu, e não consegui me afastar da mesa onde se dava o bate-papo. Seguem pinceladas...
 Valoriza um artista o número de exposições em espaços nobres, grandes galerias e museus e outras instituições sem fins lucrativos. Valorizam o artista o número de exposições individuais e coletivas e as retrospectivas. O número de obras que um artista produz. A raridade sempre foi fator de valorização. A quantidade de obras de um artista em coleções públicas e privadas. A distinção da importância de cada tipo de coleção: há instituições particulares mais importantes do que coleções públicas, mas, em princípio, estar no acervo de uma grande coleção sempre conta ponto. O número de vezes que determinado artista, obra, ou fase de determinado artista, é tema de textos ou mereceu citação. A importância das publicações vale ponto de valorização. A badalação do artista por formadores de opinião, idem. O reconhecimento do artista por outros artistas, idem. O autor dos textos, os críticos, historiadores, curadores e escritores valem pontos na curva ascendente dos preços da obra de arte.
 Os preços dos leilões também sinalizam para uma atualização de cotações. A atuação do marketing, da publicidade e os interesses escusos tanto podem valorizar quanto desvalorizar uma obra, uma fase ou a cotação geral de determinado artista.
 Sim, livros, autores, resenhas e simples citação podem, também, significar desvalorização, se aqueles forem decadentes ou desprezíveis.
  Ao contrario da maioria das manifestações artisticas, as artes plásticas guardam resquícios de elitização histórica. As obras podem ser vistas nas exposições, nas galerias e nos museus, mas, para os mais ricos do mundo, interessa especialmente a obra única dentro de casa, o óleo dos melhores nomes. A elevação dos preços produz uma espiral estratosférica que os catapulta, criando uma disputa particular entre os mais ricos e poderosos do mundo.
 Os prêmios também são faca de dois gumes: tanto podem desvalorizar como vulgarizar determinado artista.
 Há ainda os marchands convictos de que a valorização de uma obra depende não exatamente de um mistério, ou um complexo de fatores, mas de uma circunstância também nebulosa: o sorriso de quem tem diante do que não tem. Este sorriso ocorreria mil vezes a cada segundo, sem que quase ninguém jamais note o toque de Midas. São os sorrisos que levam determinados trabalhos de arte a valer milhões.
  Tal qual barra de ouro, qual diamante maior e mais puro, o artista é objeto de consumo, espelho da vaidade, pretexto para uma competição, o personagem do ano, o jatinho de última geração, a Ferrari de estimação. O artista é o objeto da valorização, raramente o sujeito. O artista, coitado, é a parte mais sensível do mistério da convertibilidade entre o trabalho de arte e o dinheiro. O artista – maravilha! – sabe que está acima dessas valorizações e outras questiúnculas. Acima, ou abaixo, tanto faz. (Por Alfredo Herkenhoff, Correio da Lapa).