terça-feira, 12 de maio de 2009

Blade Runner, o Caçador de Andróides 3/3

Vítimas da criação, Guerra nas Estrelas, Metrópoles, Acossado, Alphaville, Brazil, Matrix, Madmax...


Nessa exploração do que é ser ou não ser perfeitamente humano e perfeitamente desumano, ou ter ou não ter dúvida de que se é apenas humano desumano, duvida se vale a pena obedecer a lei ou aos instintos, aos desejos, ou simplesmente duvida se vale a pena ou não sair desobedecendo, destruindo e matando geral, rebelar-se ou não, o espectador se identifica até com os replicantes como vítimas da criação. O dilema remete ao velho adágio chinês do homem que não sabe se é uma borboleta que pensa que é homem, ou se é uma borboleta que pensa que é homem.


Blade Runner tem atmosfera noir, escura, ar pesado, expressionista do velho filme Metrópoles, o gigantismo espacial de Guerra nas Estrelas, naves velozes para todo lado, o fumacê do filme Acossado, só que neste com Jean Paul Belmondo um bandido sempre fumando. Em Blade Runner, o fumacê são misteriosas fogueirnhas e explosões nas ruas e nos prédios.

O filme tem o ranço do antiquado na modernidade da linguaem de Alphaville de Godard, tem o burocratismo stalinista do filme Brazil, a aura de aquarela de prédios de realismo socialista ou realismo societário, mas de qualquer forma, arquitetura kafkiana, disfuncional, grandiosa e inútil. O filme tem a miséria dos miseráveis, a lepra, a contaminação pós-hecatombe, seus sobreviventes como na série lúdica dos Madmax, tem lutas acrobátias como teria depois Matrix, o filme

Principalmente tem muitos ventiladores, com se essas pequenas hélices domésticas fossem uma metáfora da paranóia contemporânea com o aquecimento global, não apenas este do derretimento das calotas polares, mas de calorão mesmo dentro de uma cidade destroçada, sem luz de sol, sem ar refrigerado central, cidade abatida pelo chuva ácida, pelo inverno atômico, a poeira nuclear.


O filme tem cara de história em quadrinhos. Tem diálogos de comics. E, ao mesmo tempo, é dramático, é densa discussão acerca da humanidade, as opções de vida e morte. O filme tem enorme capacidade de propiciar estímulos para produzir reflexos e reflexões. São provocações de decodificações perversas o tempo inteiro, não há pausa num lento filme de ação em que a humanidade aparece como lampejos mesmo entre os andróides, os mais terríveis replicantes ora se assemelhando a vítimas, um deles até se assemelhando a Jesus Cristo clamando ao Pai que seus inventores são engenheiros que não sabem o que fazem conosco, máquinas de dor, máquina que sente dor. Os andróides, curiosamente, por serem feitos à semelhança do inventor, replicam o drama de ser ou não ser.

Neste planeta Terra ambientalmente morto, temos o vislumbre de um futuro que o mundo mais teme. mendo em que, como os personagens comuns, ninguém tem direito sequer a ter um animalzinho de estimação. Todos foram extintos. Só as poucas autoridades mais poderosas podem ter bichinho de verdade. A decadência cênica se apresenta com um mercado de cobras, sapos, ovelhas e corujas, tudo falso, tudo tipo made in China. Aliás, Los Angeles do filme se parece uma Hong Kong escura e governada por dirigentes brasileiros da atualidade. A metrópole é uma única e imensa boca de fumo com engenharia genética, em vez de tecnologia de AR 15. Saudades de um papagaio, de uma águia, uma ovelha. A maioria leprosa tem apenas brinquedinhos eletrônicos. O caçador de andróide tinha uma ovelha elétrica na infância.

A propósito, o livro que deu origem ao filme tem por título “Sonham os andróides com ovelhas elétricas?” Outro dia, vi no Youtube homens já feitos brincando de botar luzinhas dessas tipo chinesas de Natal no lombo de grande rebanho de ovelhas nos prados ingleses, apenas para ver a coreografia noturna desses animais tão emblemáticos da doçura, do pastoreio, da poesia pastoril mais patogenicamente campestre e matricial. Mas, no tempo fora da tela, o mundo já se deparou com a ovelha Dolly, a primeira replicante de toda as espécies. Hoje já
clonamos tudo, incluindo críticas de cinema.