sábado, 4 de abril de 2009

Morre uma estrela, mais um cavalo de Oxumaré


Irma Alvarez

Morreu ontem (2007) Irma Alvarez! Morreu mais uma estrela do teatro brasileiro! A mídia pouco falou desta argentina, a mais carioca das mulheres de Buenos Aires. Irma passou quase a vida inteira no Brasil, onde conheceu a fama, a paparicação e o esquecimento, com uma pobreza que a levou a vender o jazigo da família para bancar o dia-a-dia em Copacabana. Irma está sendo cremada hoje aqui no Rio. Quase não teve dinheiro para rever os parentes na Argentina. Em segredo, desde a década passada, fazia um trabalho misericordioso de, semanalmente, confortar pacientes terminais no Hospital do Câncer. Morreu da mesma doença, esquecida de todos nós. Nos anos 70, raspou a cabeça para encenar o filme "Cavalo de Oxumaré", que Ruy Guerra não conseguiu tirar do papel.

Em homenagem a todas as pessoas que morrem pobres, ou esquecidas, redigitei na manhã de hoje a pequena reportagem que fiz sobre Irma Alvarez, dez anos atrás, para o extinto jornal mensal Informe, do amigo Roberto Pimentel, hoje secretário de redação do jornal O Dia.

A reportagem abaixo saiu em dezembro de 1996. Não sei por onde andam os negativos das fotos que fiz. Mas eis o texto, que, independente de quaisquer erros, continua servindo de aviso para quem valoriza em excesso a vaidade e esquece dos esquecidos:


Atriz vende túmulo para pagar dívida com a Caixa

Alfredo Herkenhoff - Especial para o Informe

Uma nota na Coluna do Swann e em seguida meia página de O Globo, em outubro (de 1996), mobilizaram artistas cariocas para salvar a atriz Irma Alvarez da inadimplência com a Caixa Econômica Federal. Apesar da solidariedade, a atriz teve que vender o próprio jazigo perpétuo para fazer frente aos encargos sem recorrer ao Judiciário para apreciação de seus direitos com relação a juros, mudanças de moeda e expurgos de índices inflacionários de diversos governos.

Há um mês, Irma completou os 15 anos de contrato como mutuária, mas ainda restavam 10 mil reais a pagar pelo apartamento onde vive em Copacabana. A Caixa parcelou o débito em prestações de pouco mais de mil reais, porém não livrou a atriz e artista plástica Irma, de 68 anos e viúva, da decisão difícil: vender o jazigo da família no Cemitério São João Batista. Irma revelou ao Informe que os problemas aumentaram nos dois últimos anos, quando começou a ter dificuldades para pagar as prestações. Daí por diante, fez vários acordos com a Caixa.

"Não foi o meu caso. Mas sei de pessoas que deixam de comer para pagar suas dívidas", afirmou a atriz. Com a reportagem de O Globo, Irma, que esteve na crista da onda na época áurea dos teatros de revista, acabou convidada pela jornalista Leda Nagle para participar do programa Sem Censura, na TVE. E a partir dessa aparição na televisão, uma família italiana fechou o negócio, comprando o jazigo por pouco mais de 9 mil reais, cifra, aliás, que a atriz não havia recebido até o começo de dezembro, pois uma operação de imóveis para mortos depende de, a exemplo de imóveis para vivos, da burocracia, guias, títulos de propriedade etc. Como viúva, ela recebe uma pequena pensão.

Argentina que veio para o Brasil 45 anos atrás (1951), Irma viveu uma época maravilhosa do chamado Rio antigo, sempre morando em Copacabana. Por conhecer todo mundo na televisão, preferiu, na hora do aperto, em vez de brigar com a Caixa, tentar fazer caixa. Imediatamente após a sua disposição de vender o jazigo, a TV Globo a convidou para encenar o papel da costureira que fez o vestido de noiva de Rafaela, na novela o Rei do Gado. Por este trabalho ganhou um cachê cujo valor não declinou. Pequeno de qualquer forma senão não teria vendido o jazigo. Mas adianta a estrela do teatro de revista que está praticamente acertada uma participação maior numa novela da Globo em 1997. Também o Unibanco, sensibilizado com a atriz, está organizando uma exposição dos seus quadros.

Sobre Copacabana, Irma diz que já teve a sua época de ouro, seus anos dourados, e que o bairro de maior densidade demográfica do Brasil ainda é muito bom. Lamenta a presença de mendigos e gente jogando sujeira na rua. Diz que esses problemas só serão resolvidos com muita educação. Admira também o político Cesar Maia, a quem se compara, por ser do tipo pragmático, que quando tem de fazer, faz, sem perder tempo pedindo. Embora tenha pedido à reportagem do Informe para que não mencionasse a sua atuação voluntária no Hospital do Câncer, Irma contou que há dois anos dedica algumas horas, todas as semanas, confortando enfermos.

Ela é um exemplo de vida. Educou a filha única, Krisna, nas melhores escolas do Rio: British School, Anglo e PUC. Hoje Krisna estuda nos Estados Unidos - Direito Internacional -, deixando a sua mãe com saudades do tempo que a sua casa ficava cheia de amigos com almoços animados de domingo.

Irma Alvarez não tem dinheiro para visitar os parentes na Argentina, aonde não vai há mais de 20 anos. Por isso, quando a saudade aperta, conta ela, faz o mesmo que aconselha aos doentes no Hospital do Câncer: "Fecha os olhos, Imagina que está viajando pela memória buscando o tempo dos momentos felizes". Mas Irma deixa claro que é feliz no Brasil.

Lamenta ainda a artista que neste mundo de hoje as pessoas tenham pouca idéia de preservação cultural. Recorda que nos seu tempo de estrelato, todo mundo se lembrava dos grandes nomes do cinema mudo, enquanto agora as pessoas mal sabem o que ocorreu poucos anos atrás. Critica o comportamento que diz ser da maioria das pessoas de agir movidas exclusivamente pelo desejo de ganhar dinheiro e obter vantagem. A atriz explica suas motivações: "Não sou de pedir, mas quando a coisa aperta, e os problemas se agravam, não sou de ficar parada, por isso decidi me expor, porque sabia que as pessoas não viriam simplesmente à minha casa para saber como estou".

Foram muitos os telefonemas de solidariedade: Norma Bengell e Betty Faria - ambas estrelas na fase final do teatro de Walter Pinto, Carlos Machado e Sérgio Porto -, Fabio Sabag, Rui Matos e diversos diretores de programas de TV e cinema, mas ainda assim, nenhum telefonema que tenha evitado que vendesse um pequeno imóvel para os mortos. E vale lembrar que na reportagem de O Globo, Irma tinha esperança de não ter de vender o jazigo: "Quem sabe não acontece um milagre e não sou contratada?"

Será provavelmente, mas primeiro tem de pagar à Caixa. Além do teatro de revista, Irma Alvarez participou de 35 filmes e de diversas novelas, entre as quais Carinhoso, Bravo, Pai herói. Sua última aparição, antes de O Rei do Gado, foi em Explode Coração.

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