sábado, 6 de junho de 2009

Comentando Itália em voz alta: dupla cidadania 4/4


Se pensi latte pensi bianco (Galileo Galilei), ou: se pensa leite, pensa branco.

Viajantes históricos, Amerigo Vespucci, Marco Polo, os pobres na cafeicultura brasileira em fins do século 19, muitos exemplos, os italianos sempre buscaram trabalho no exterior, mas sempre negaram e negam emprego bom a estrangeiros comuns na península itálica. Das quatro maiores cidades de italianos no mundo, duas ficam fora de lá. Roma e Milão são nada perto de New York e São Paulo, estas sim as duas maiores. E a regra é clara: filho de italiano, ou de italiana, tem direito à cidadania, mesmo que nasça na China.

Com esse processo de concessão de cidadania no exterior, a Itália está ganhando população entre oriundi nos Estados Unidos, América Latina e Austrália. Mas serão quantos por ano? 400 mil? 500 mil? Pouca diferença faz para o problema demográfico. Muitos velhinhos e muitos jovens mais preocupados em fugir dos guichês de não-europeus nos aeroportos do Velho Continente. O passaporte permite que o italiano do Brasil e da Argentina procure emprego em qualquer país da União Europeia. Na Itália, menos porque todo mundo sabe que na terra de Berlusconi as chances são pequenas.

Na terra de Dante, hoje, até as prostitutas brasileiras estão em apuros perdendo terrenos para as lourésimas procedentes do Leste europeu. As eslavas desbancaram as morenas no mercado de última mulheres dispostas a fazer o papel delas mesmas no tempo de década atrás. Mas, na Europa, hoje, mulher rivaliza com homem, vira engenheira, não quer tarefa doméstica para o maridão de pijama vendo futebol na TV. Mulher na Europa só falta ter bigode e mijar em pé, de tão parecida com os homens.

A propósito de dupla cidadania, minha mãe, Mery Geaquinto (Giaquinto) Herkenhoff, recebeu dias atrás a cartinha avisando que deve ir votar se quiser, aqui no Consulado do Rio de Janeiro. Mas eu mesmo não consigo sequer ir à Esplanada do Castelo, na Av. Presidente Antonio Carlos, pegar o meu passaporte. Meu sonho é pegar a caderneta do passe livre como cidadão europeu apenas para me abanar no dias de maior calor nas noites de verão na Lapa. E apesar de meu sobrenome alemão, sou italiano da gema e dentro da lei. Mas não aceito fila, a não ser obrigado... Fila por desejo... Não!

Aliás, o consulado no Rio encaminha cerca de 300 pessoas por semana para a dupla cidadania. Esse número é chute, palpite. Em São Paulo, talvez o número seja o triplo. Em Buenos Aires, idem. E noutras capitais onde há consulados todo dia tem gente sonhando na fila do passaporte italiano. Muitos são oriundi velhinhos, como minha mãe, e já apenas pegam o documento como um nostalgia, sem pensar em votar contra ou a favor de Berlusconi, pegam o documento sem nada daquela prudência política de Dona Marisa Silva, a primeira-dama do Brasil e que já garantiu eventual aposentadoria no Lácio se as coisas ficarem difíceis aqui no País Tropical. Mas nem garantia o passaporte é, vejamos o caso de Fujimori, era peruano e japonês, e hoje o ex-presidente foi devolvido por Tóquio para mofar numa cadeia, não importando a nacionalidade.

Essas concessões de cidadania apenas servem para a Itália se sentir humanamente mais internacional, uma dinâmica de afeto, de identidade com os que, no passado, tiveram de sair da bota no sul da Europa para sobreviver alhures. Ou seja, Berlusconi e seus eleitores gostam mais de mim e de outros italianos allestero do que dos europeus do Leste e africanos de sempre tentando cavar a vida na ruas de Roma e Milão.

A Itália tem qualidade de mão de obra excepcional. Italiano não gosta de nada mal acabado. Sapato, música, bolsa, automóvel. Tudo é bem feito. E curioso, apesar de uma indústria altamente diversificada, para movê-la, os italianos importam tudo: café, petróleo, ferro, carne, tecido. A Itália é totalmente dependente de insumos e energia do exterior. O que faz é apenas qualidade. Compra a matéria-prima e arrebenta: faz o que tem de ser bem feito e cobra bem por isso.

Vem chegando o inverno, e quase fujo do tema: apresentar o personagem que não conheço direito, Berlusconi, este mistério que ganha votos atacando estrangeiros.