sexta-feira, 9 de abril de 2010

Água: Caos: Cabral, Paes, Lula, Dilma e Garotinho


Editorial

A desgraça da política

na desgraça das chuvas do Rio



Reflexão: a propagada não cai bem quando vidas se perdem entre pessoas mais humildes. No Brasil, não há um mínimo de organização de plano de emergência. Sobra empáfia. E esta se diluiu na tragédia. Tão pífia a empáfia que a tragédia nem mereceu tanta atenção do presidente Lula em meio ao estupor de cidadãos plugados na notícia de um Rio de Janeiro estuprado desde o tempo de JK, violentado pelo próprio, o primeiro pedófilo da carioquice. Rio, que perdeu para a Bahia os royalties de planos de emergência.

O governador Sérgio Cabral revelou na quinta-feira que recebeu oferta de ajuda de vários governos estaduais, mas que só iria aceitá-la em caso de necessidade. Ora, em plena sexta-feira, várias artérias da capital continuam interditadas, como Alto da Boa Vista, Grajaú-Jacarepaguá etc etc. Cabral, calmaria dos janotas deslumbrados.

Só na quinta-feira Cabral finalmente teve disposição, saco ou agenda, para, de helicóptero, ir a Niterói, dar coletiva ao pé do Morro do Bumba. Bimba! Estava protegido por uma centena de soldados na grande operação! Meia horinha desconfortável!

Um dos sinais mais emblemáticos de que o governo do Rio é uma área de risco para os mais humildes, a maioria, é o fato de as emissoras de televisão não terem encontrado nenhuma imagem aérea do Morro do Bumba anterior à avalanche de lixo antigo, dor e chorume. E 30 horas antes da avalanche, um primeiro deslizamento no meio do morro havia matado cinco ou sete pessoas. Uma escavadeira da equipe de socorro foi soterrada no segundo e gigantesco deslizamento no Bumba. Ou seja, mesmo com tantos mortos, os meios de comunicação não conseguiram agenda para enviar cinegrafistas e fotógrafos que documentassem o morro antes da grande avalanche. Por que? Por excesso de casos semelhantes. A Globo recorreu ao Google, mapa e satélite, para exibir uma ideia do que era o Bumba antes do último big bang de abril de 2010.

Só em Niterói foram dezenas de deslizamentos graves. Dizer que só aceitará ajuda de for preciso foi um absurdo de Cabral que mostra a realidade do seu descaso, que também é de Lula, o Grande. Dez equipes da defesa civil para centenas de graves problemas simultâneos, com mortes e paralisação da metrópole. Mas não precisa de ajuda de emergência de outros estados? Rio das Pedras, Moro dos Prazeres, 30 bairros, alagamentos persistentes dias depois do tsunami vertical. E não precisa de ajuda?

Em Brasília, ontem, a ex-ministra Dilma Rousseff e o presidente Lula comemoravam o apoio do PC do B à campanha petista nas próximas eleições. Literalmente festejavam caindo num forró fora de época, música e dança num momento de luto na ex-capital tão desprezada. O Brasil tem direito de se sentir envergonhado dos governos brasileiros, com tanta burocracia e agilidade zero diante do caos das chuvas.

Lula virou o Calígula do bem. Cabral, o almofadinha de helicóptero. Eduardo Paes, o porta-voz do óbvio. Nenhum dos três é culpado por tanta água, mas eles não souberam armar um socorro maciço e imediato.

O que Ibsen Pinheiro ainda não fez com o Rio surrupiando os royalties, os três fizeram com a lentidão das respostas. Tivessem compreendido a grandeza da dor dos mais pobres, teriam usado jatos para trazer em poucas horas cães farejadores e bombeiros de todas as capitais mais próximas do Rio de Janeiro, como BH, SP, Curitiba e até Porto Alegre etc. Seria o socorro mais imediato. Lula teria dado ordem às Forças Armadas para ajudar na desobstrução de artérias. Cabral teria interditado os aeroportos do Rio para priorizar os voos de socorro - o Haiti é aqui -, e o prefeito teria podido dizer palavras menos tristes nas inúmeras entrevistas que concedeu no desenrolar da tragédia.

A bem da verdade, Eduardo Paes foi também vítima, não apenas de prefeituras anteriores, mas vítima do próprio governo federal nesta triste semana que vai entrar para a história como um capítulo da vergonha nacional. Lula sempre odiou Eduardo Paes desde o Mensalão, quando o atual prefeito era depurado e vivia na CPI a desancar pela TV os petistas até hoje no poder. Mas Eduardo Paes poderia ter sido mais incisivo com o uso dos meios de comunicação. Isso é so mais um exemplo. Paes preferiu ficar dando depoimentos pessoalmente. Só 24 horas depois, na quarta-feira, a prefeitura usou o spam MSN das operadoras de celular para enviar avisos e informações sobre o caos. Deveria ter feito isso já na manhã de terça, como aliás este Correio da Lapa sugeriu já na própria manhã do primeiro dia da grande tragédia.

São incontáveis os casos de gente soterrada e deslizamentos que por muito tempo não receberam o devido socorro imediato. O 199 ficou mudo. O iatista Grael que o diga ao salvar mãe e bebê e nada ter podido fazer com o pai preso agonizando nas ferragens do carro.

Apenas a propaganda da política e da mídia não perdeu o seu ritmo alucinante nem no meio da tempestade. E envergonhada, preferiu valorizar discussões sobre remoção de favelas e politicas habitacionais, em vez de reconhecer que o poder público não tem agilidade na hora do socorro maciço. Políticos não assumem culpa de nada, nunca, só acusam e alardeiam. Deu pena a cara de tacho do prefeito de Niterói. Favela no Lixão. Dinamite pura.

E na cobertura jornalística, a Globo demorou um pouquinho a enxergar a grandeza da pauta. O jornalismo da rede do bispo, a Record, fugiu do padrão global que tanto imita e preferiu mostrar de forma até desordenada a realidade, mas mostrar com dinâmica os ratos, orelhões servindo de pequeno bote, a sujeira, o ambiente fétido, verdadeiro, tudo ao vivo, com a dor e a imagem feia dos flagelados, maltrapilhos e chorosos. Já a Globo estetizou a dor, perfumou o caos com o seu padrão global, glamourizou-o, adocicou-o, exibiu só flagelados bonitos.

A população tem a sua parcela de responsabilidade. Só na Praia de São Conrado, na manhã de quinta-feira, uma cena de ficção milenar: cerca de 10 mil a 15 mil garrafas pet, na água e na areia, o plástico na grande maioria vindo da favela da Rocinha, que mistura tudo: baile funk, PAC 1, PAC c 2, narcotráfico, forró, sub-bairro-favela, como o Laboriô e outros desmatamentos da Mata Atlântica, entre queixumes e lágrimas com Coca Cola, lixo e sangue dos desabamentos gerais.

Tudo rotina, só a propaganda não perdeu o ritmo alucinante mesmo em meio ao caos dessas horas de tanta aflição extra, enquanto Garotinho festeja os afagos de Dilma, que não vê grande diferença se Cabral continua governando o Rio de Janeiro ou se o menino de Campos retorna e nos entorna de vez na lama e nas trevas de sua arrogância cheia de fé, avidez e incompetência.

Estamos perdidos: Flamengo 2, Universidad 2. Empate com sabor de derrota. Libertadores? Onde? Eu morro no Bumba, morremos.

Por Alfredo Herkenhoff