terça-feira, 14 de maio de 2013

Íntegra do artigo de Angelina Jolie no The New York Times


Minha opção médica
 

Por Angelina Jolie *



(Artigo publicado em 14 de maio de 2013 no jornal The New York Times,
 tradução de Alfredo Herkenhoff)


Minha mãe lutou contra o câncer por quase uma década e morreu aos 56 anos de idade. Ela teve tempo suficiente para curtir o primeiro de seus netos, pôde embalá-lo em seus braços. Mas meus outros filhos nunca terão a chance de conhecê-la e saber quão bela e amorosa ela foi.

 Em casa com as crianças falamos muito da “mãe da mamãe”, e volta e meia eu tento explicar a doença que a tirou de nós.  Meus filhos me perguntaram se a mesma coisa poderia acontecer comigo. Eu sempre disse a eles que não se preocupassem, mas a verdade é que eu tenho um gene "defeituoso" chamado BRCA1, que aumenta terrivelmente o risco de desenvolver câncer de mama e câncer de ovário.

Meus médicos estimaram que eu tinha 87% de chance de ter câncer de mama e 50% de ovário, embora o risco varie de mulher a mulher.
 
Apenas uma fração dos casos de câncer de mama resulta de uma mutação genética herdada. Pessoas  com um defeito no gene BRCA1 têm  65% de chance de contrair a doença.
 
Assim que eu soube que esse era o meu caso,  decidi ser proativa e minimizar o risco da forma mais radical possível. Tomei a decisão de fazer preventivamente a dupla mastectomia. Comecei pelos seios porque a chance de câncer de mama era maior do que a de câncer de ovário, e a cirurgia é mais complexa.

Em 27 de abril,  terminei os três meses de procedimentos médicos que as mastectomias exigem. Nesse período, pude manter tudo isso em segredo e continuei trabalhando.

Mas estou escrevendo sobre isso agora porque espero que outras mulheres possam se beneficiar da minha experiência. Câncer ainda é uma palavra que provoca medo nas pessoas, produzindo um sentimento terrível de impotência. Mas hoje é possível descobrir com um exame de sangue se você é muito  suscetível a a contrair o câncer de mama e ovário, e assim começar a enfrentar o risco.

No meu caso, tudo começou em 2 de fevereiro, com um procedimento chamado “atraso de mamilo”, que tira a  doença nos ductos mamários atrás do mamilo e leva um fluxo extra de sangue para a área. Isso provoca  um pouco de dor e vários hematomas, mas aumenta a chance de salvar o mamilo.

Duas semanas depois, fiz uma grande  cirurgia com retirada do tecido mamário e com enchimentos temporários. A operação pode demorar oito horas. Você acorda com tubos de drenagem e expansores em seus seios. Parece uma cena de filme de ficção científica. Mas dias depois da cirurgia, você pode voltar a levar uma vida normal.

Nove semanas depois,  a operação final é completada com a reconstrução dos seios, com um implante. Houve muitos avanços neste campo nos últimos anos, e os resultados podem ser até bonitos.

Eu quis escrever  sobre isso para dizer a outras mulheres que a decisão de fazer uma mastectomia não foi fácil. Mas o fato é que  estou muito feliz por ter feito. Minha chance de desenvolver câncer de mama caiu de 87% para menos de 5%. Posso dizer a meus filhos que eles não precisam ter medo de me perder por causa de câncer de mama.

É reconfortante saber que meus filhos não vão ver nada que os deixe constrangidos. Eles podem ver as minhas pequenas cicatrizes, e é só isso. O resto é apenas oi, mamãe, é o de sempre. E meus filhos sabem que eu os amo e que farei qualquer coisa para estar com eles o maior tempo  possível. Em caráter pessoal,  eu me sinto apenas uma mulher, poderosa sim porque fiz uma escolha pesada, mas que não diminui em nada a minha feminilidade.

Tenho a sorte de ter um parceirão, o Brad Pitt, que é tão amoroso e foi tão solidário. Então, para quem tem uma mulher  ou uma namorada passando por esse problema, saiba que você é uma parte muito importante nesse processo de transição. Brad estava no hospital Pink Lotus Breast Center, onde fui tratada, o tempo todo durante as cirurgias. Conseguimos até momentos para rirmos juntos. Sabíamos que essa era a coisa certa a fazer para a nossa família e que isso iria nos deixar ainda mais unidos.  E nos deixou.

Para qualquer mulher lendo isso, espero que isso ajude você a saber que você tem opções. Quero incentivar toda mulher, especialmente você, que tem um histórico em família de câncer de mama ou  ovário, a procurar se informar e a buscar os especialistas. Esses médicos podem ajudá-la nesse momento  de sua vida a fazer suas próprias escolhas baseadas em informação.

Reconheço que há muitos médicos holísticos maravilhosas que trabalham com alternativas para a cirurgia. Meu próprio caso vai ser divulgado oportunamente no site da hospital Pink Lotus Breast Center. Espero que ele seja útil para outras mulheres.

Só o câncer de mama mata 458 mil pessoas por ano, segundo a Organização Mundial de Saúde, principalmente em países de baixa renda e média. É uma prioridade implantar políticas para garantir que mais mulheres possam fazer os testes genéticos e tratamentos preventivos que salvam vidas, independentemente da forma como essas mulheres vivam ou da renda que tenham. O custo dos testes para os genes  BRCA1 e BRCA2 é de mais de 3 mil dólares nos Estados Unidos, e isso continua a ser um obstáculo para muitas delas.

Optei por não manter discrição sobre a minha história porque há muitas mulheres que não sabem que podem estar vivendo sob a sombra de um câncer. Tenho esperança de que elas também possam ter acesso ao teste genético, e que, se elas tiverem uma chance elevada de contrair o câncer, saberão que têm opções fortes de enfrentamento.

A vida tem muitos desafios. Os que não devem nos aterrorizar são aqueles que nós podemos assumir e controlar.

* Angelina Jolie é atriz e diretora.

(Tradução de Alfredo Herkenhoff_- Correio da Lapa, Rio de Janeiro, 14 de maio de 2013)