sábado, 16 de fevereiro de 2013

Meteorito na Rússia - TV no Brasil e o futuro



Meteorito na Rússia...

TV no Brasil e o futuro...


Em 1970, uma Copa do Mundo – a do México - teve transmissão ao vivo para o Brasil pela primeira vez. Mas apenas os ricos e os generais da ocasião puderam ver os jogos a cores. Naquela altura, a TV em preto e branco já existia no Brasil há 20 anos, mas o povão ainda não tinha grana pra comprar. Via televisão na calçada das lojas e na calçada do vizinho. Na mesma época, com sua TV ainda estatal, a RAI, a Itália só tinha sistema PB, enquanto os ingleses há anos já curtiam as transmissões a cores.

 É claro que a Itália poderia ter feito a toque de caixa a migração do PB para as cores. Mas o governo ponderou: praticamente toda a população italiana possuía TV preto e branco. Pra que, então, gastar dinheiro com o supérfluo? O aparelho a cores poderia demorar um pouco mais. E iria ficar bem mais barato. A população italiana tinha outras prioridades. Atrasar a TV a cores foi um ato sagaz do governo da Itália. No Brasil, então muito pobre, as cores na TV foram uma precipitação desnecessária. A oferta da novidade foi um escárnio social. Afinal, em 1970, ao contrário da Itália, o Brasil possuía cidades inteiras sem sequer luz elétrica, muita pobreza e analfabetismo demais.
Quando a TV chegou ao Brasil, em1950, quase toda a população tinha acesso ao rádio, que abrangia grande parte do território nacional.  O rádio continuou fortíssimo durante os primeiros 20 anos depois que a TV Tupi foi inaugurada pelo visionário Assis Chateaubriand em São Paulo e logo no Rio.
A massificação de aparelhos de televisão postos ao alcance de todos os brasileiros, ou quase todos, deu-se a partir da década de 1990 e avançou ainda mais nesses anos 2000. Por isso estamos na primeira geração de todos os brasileiros vendo televisão.
O resultado é que a televisão se apropriou de toda a população brasileira. Criou-se uma extravagante consciência da realidade e que pode ser resumida na seguinte perversão: se não passa na TV não existe. A TV Globo, campeã de audiência há várias décadas, não faz outra coisa. As outras, cada uma em seu confortável nicho de audiência – confortável porque também estão quase todas ganhando bom dinheiro – seguem o líder.  
E porque há tão pouco tempo – só 25 anos, uma só geração? – todos os brasileiros têm acesso, temos um dos maiores países, uma das maiores economias, uma das maiores populações do planeta, uma grande nação inteira sequestrada, ocupada por um invasor sem culpa. Mas eis que veio a internet – como uma espécie de castigo tecnológico - e erigiu nova situação: fora das transmissões esportivas, o grande universo de telespectadores da TV aberta no Brasil de hoje envelheceu inapelavelmente. Ou não dispõe de suficiente curiosidade intelectual para compreender o que está se passando no bairro, na cidade, no país, no mundo e no cosmo. Em outras palavras: no Brasil por ela ocupado TV é coisa de gente mais velha, menos informada e menos exigente.



Meteorito

Horas atrás, por exemplo, a bela Sandra Annenberg no Jornal Hoje perguntava a um colega da TV Globo em Nova York, acho que se chama Júlio Mosqueira, sobre o que tinha acontecido na Rússia. Que meteorito foi esse? Caraca! O que é que um colega em Nova York, por mais operoso, pode saber sobre o meteorito russo a não ser pelas vias de informação ao alcance de qualquer um em qualquer parte, a começar pela bela Annenberg em São Paulo? É um teatro do absurdo. Um cara em Nova York está tão longe dos Montes Urais, onde o tal meteorito se enfiou, quanto eu aqui em Botafogo, diante do Google News ou do Youtube! Essas duas ferramentas já tinham me exposto uma tempestade de informações que a TV brasileira demora a editar, demora a dar, enredada que está em suas próprias armadilhas da forma papai-mamãe, feijão-com-arroz, caretésimas, em violento desprezo pelo conteúdo. Não que a Annenberg (fingindo não saber o que estava acontecendo com o meteorito, precisando perguntar ao colega de Nova York) e o Mosquera sejam uns patetas. Nada disso. São ótimos profissionais. Patetas são os caciques da Globo, da Record, do STB, da Band e do resto da turma. Patetas e prósperos, mas perdidamente aparvalhados na mesmice que envolve as TVs na mesma névoa turva em que a TV envolveu o Brasil.
E essa parvoíce se repete o tempo todo. Diante de um grande acontecimento em Roma, o apresentador da TV aqui no Brasil pergunta a uma menina em Londres o que é que está se passando na capital italiana.  Como se a boa menina só por estar em um ponto qualquer da Europa – em plena era da internet, do Google, do Youtube - soubesse mais que qualquer mortal de Botafogo sobre alguma coisa que está abalando Roma.
Não se pode negar que TV aberta e TV paga produzem eventualmente reportagens excelentes no Brasil. O que se observa aqui é a estratégia para uma derrocada anunciada.
 Não que o apresentador do eixo Rio-São Paulo e a menina de Londres sejam dois idiotas. Nada disso. São profissionais corretos. Idiotas aparentemente parvos são, outra vez, os caciques e editores dessa TV caldo ralo que rola por aí a caminho do ralo das audiências minguantes. A Globo e todas as suas afiliadas, por afiliadas se entenda a Record, o SBT, as Band e o resto da turma porque todas se fazem à imagem e semelhança do líder – Follow the leader! Follow the money - todas elas têm que fingir uma dinâmica cosmopolita sem saber que falam a um país de seres eminentemente locais. Mas não têm aquela gana em buscar novidade com quem tem algo de novo a dizer ou mostrar. Então, os jornalistas ficam ali trocando figurinhas para a audiência anciã ou desligada da velha e insubstituível curiosidade intelectual. A garotada do lado de cá não fica diante da telinha. Só ficam os avós e bisavós, além dos analfabetos digitais.
Alguém no Brasil pergunta alguma coisa a alguém em Londres e o pobre Alguém de Londres proclama o que todo mundo já sabe e já viu na internet. O Alguém de Londres também já viu na internet à beira do Tâmisa...
Mas a parvoíce, ou idiotia, extravagância, patetice aparvalhada, escorreu para além dos limites da TV aberta. Chegaram aos canais por assinatura.
Resultado: alguns dos melhores jornalistas da TV brasileira, meia dúzia deles, merecem, há meses, minibiografias de propaganda pessoal insossa. Trinta segundos a cada um várias vezes dia e noite, semana após semana, mês após mês. Mini verbetes, micro currículos, mera auto divulgação, mini auto celebração. Céus! O que é que o distinto público tem a ver com isso? Por que os caciques e editores não dão uma olhada na melhor TV que se faz no mundo e não aproveitam os “intervalos” obrigatórios para minirreportagens, mini-informação, miniprestação de serviço, miniutilidade, minicrítica?
Não que os colegas incensados à exaustão sejam patetas. Nada disso! São ótimos profissionais experientes, antenados, bem educados. O distinto público gosta do trabalho de todos eles. Mas, obviamente, está se lixando para as irrelevâncias. Há uns bons 15 anos , a tiragem dos principais jornais em papel do Rio e de São Paulo vem despencando dramaticamente. Vários impressos dando adeus às bancas. O nosso JB! Putz! Jornal da Tarde, Gazeta Mercantil, Tribuna da Imprensa... Uma das razões é que trocaram a informação pela divulgação e, ultimamente, trocam pela celebração. Pois a TV por assinatura desanda pelo mesmo caminho.
 Não contentes com a Divulgação-Celebração de empresários, políticos e governantes, passam, agora, a divulgar e celebrar os próprios repórteres e comentaristas, propaganda pessoal diária. Até a esplendorosa Maria das tardes e seus Beltrão Boys entraram nessa... Jornalista incensar jornalista... Caraca!
Não entro no mérito brechtiano de que a propaganda é o altar do demônio ou o próprio inferno. Nem concordo com isso. Mas gosto da imagem. E, por essas e outras, o vale tudo pelos 15 segundos de glória está cada vez mais prevalecendo sobre o jornalismo da TV. Assim como a TV “prevaleceu” sobre os gostos, os hábitos, os cacoetes, as manias do Brasil inteiro, subjugando-o e criando uma nova sociedade, uma nova enorme população de 200 milhões de submissos e indefesos.
E antes que me esqueça, tem também os diretores de jornalismo, diretores disso e daquilo cujos nomes aparecem depois de cada programa. Até ao fim de um programa qualquer feito pela BBC na Groenlândia, ou a CNN na Indonésia, ou a Fox News na Nova Zelândia – putz! – lá está a assinatura do cacique ou da “cacica” daqui do Rio ou de São Paulo. Caraca! Neguinho faz um especial sobre Rubem Braga, e termina lá com o créditos dos diretores. Neguinho faz um belo especial, como o Geneton fez sobre Joel Silveira, e aparecem lá os nomes dos diretores. Os caras fazem há anos o Manhattan Connection lá em Nova York, são uns craques do bate-papo bem antenado, e o nome dos diretores fecha o programa. Arre que é ter ego! – como diria o velho Eça. Arre que é ser caipira!
Mas eis que me alongo nessa queixa vã e paro por aqui. Arre que é ter saco!!! Prefiro de novo assistir ao Youtrends no Youtube, 700 mil visualizações nos últimos seis dias, sem nenhuma propaganda na grande mídia, apenas o velho bom humor nessas novidades do mashup...
(Por Alfredo Herkenhoff,  Correio da Lapa, Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2013)