quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

DEU PRA TI? BYE BYE TRF-4


CAMPAINHAS TOCANDO AO AMANHECER DE UM DAY AFTER

Às 6h da manhã… A guarda aciona a campainha da mansão. A mordoma da noite atende e é avisada que há visita especial para a Ministra Carmen Lúcia, que estranha, ainda tem remelas, e logo é informada da gravidade da hora. Cinco minutos depois, Carmen, de rosto lavado, sem tempo sequer para entender por que o celular estava sem sinal, foi até o vestíbulo. Viu um grupo de cinco militares. Uma tenente da Aeronáutica lhe deu bom dia e ouviu a primeira indagação:
- Mas posso saber o que está acontecendo?
- A senhora está sendo levada...
Carmen interrompeu e deixou escapar o que já lhe vinha à mente. Imaginou: o Michel Temer deve ter morrido e estão me chamando, acho que vou ser presidente pelo Colégio Eleitoral. E perguntou à tenente-aviadora Rosinalva:
- Estou sendo levada ao Congresso ou ao Jaburu?
- A senhora está sendo levada presa.
- Que insolência é essa? Eu sou a presidente do Poder Judiciário! Você está presa por desacato...
- Não, a senhora não está entendendo. Começou agora há instantes um movimento de restauração da democracia com respeito pleno à Constituição Federal de 1988. Estou aqui incumbida de levá-la a um quartel das Forças Armadas. A senhora foi acusada de prevaricar em vários episódios, mas por ora apenas estou autorizada a explicar que por várias vezes, por sua participação direta, o plenário do STF e o plenário do CNJ não puderam apreciar os recursos impetrados contra autores de crimes graves, como o grampo da presidenta Dilma e a ação pela anulação que derrubou, sem base em crimes previstos na Carta, aquela que é a comandante suprema das Forças Armadas.


Toca ao mesmo instante, não longe dali, a campainha da casa de Eunício Oliveira. O presidente do Senado, e portanto também presidente do Congresso, atende com o mesmo pasmo:
- Mas o que é isso?
- O senhor está sendo levado preso....
- Vocês estão me sequestrando com ordem de qual bandido? Ciro ou Cid?
- Não é um bandido, é por causa de uma mulher, alguns a chamam de presidente da República, outras a chamam de Cidadã, a Carta...


A cena se repete. Residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Botafogo Maia. O dono estranha e supõe que seja o chefe do comando da guarda presidencial. Mas se depara com uma guarnição do Exército.
- Senhor Rodrigo Maia.... Blablablá, e vai escoltado...


Toca a campainha no Jaburu. O dono estranha e supõe que seja o chefe do comando da guarda presidencial que deixou o portão e chegou direto à porta principal do palácio residencial. Mas se depara com uma guarnição da Marinha.
- Bom dia, senhores, mas a que devo essa visita a essa hora e de modo tão abrupto? E os senhores são da Marinha? O que está acontecendo?
- Bom dia, senhor Michel Temer. Estamos aqui para conduzi-lo preso sob acusação de traição à Pátria. Não somos apenas da Marinha, somos do Estado, somos do estado democrático de direito. Coube-nos a missão de conduzi-lo em segurança para um quartel.
- Mas por que Marinha? Cadê o Etchegoyen?
- Não cabe a mim questionar decisões tomadas entre generais, brigadeiros e almirantes. Suponho que escolheram uma unidade da Marinha para vir prendê-lo como uma demarcação simbólica pelo confuso episódio de Angra, o submarino, o almirante Othon Pinheiro... Mas o senhor queira nos acompanhar.
- Devo ser algemado?
- Não senhor. Nem será também exibido nos telejornais. O contragolpe está só começando nesse exato momento em toda as 27 capitais do pais.
- Quem mais está sendo preso no meu governo?
- Seria mais fácil dizer quem não está.
- Todos os meus amigos golpistas, incluindo os donos da televisão?
- Praticamente todos, mas há um caso especial, um grande golpista fez um acordo e nos ajudou a antecipar o movimento da restauração para esta data de hoje. Ele recebeu um salvo conduto para sair exilado nos Estados Unidos.
- Ah, então é o Sergio Moro, não é? Eu sabia...
- Não, quem propôs a colaboração ao alto comando das Forças Armadas foi o senhor Gilmar Mendes. Ele está digamos confinado, mas vai sair do Brasil já nas próximas horas.
- Mas meu amigo Gilmar nunca foi muito ligado nos Estados Unidos...
- De fato, ele deve ganhar asilo na França. Menti quando mencionei Estados Unidos para ver se o senhor me ajudava a pegar mais algum que tenha ficado de fora. Sérgio Moro foi o único a ser preso minutos antes das 6h. Mas, sr. Michel Temer, o senhor tem 10 minutos para se arrumar e dar explicações à sua família. Os celulares aqui e ao redor estão sem sinal. O Jaburu está isolado do mundo.


Bairro Tristeza, Porto Alegre. Toca a campainha. Vai à porta Dilma Rousseff, olha pelo visor e vê um militar uniformizado. Dilma pensa: Mas será o Benedito? Começou tudo de novo? Puxa, vou ter de encarar cana pesada de novo... Mas, destemida, ela abre a porta e exclama:
- Bom dia, mas o que é isso? Vieram me levar porque....
Um tenente acompanhado de dois colegas responde batendo continência.
- Bom dia, presidente. Estamos aqui para reconduzir Vossa Excelência ao Palácio do Planalto. O golpe de Estado acabou. O Alto Oficialato invocou o Artigo 1 e nos encarregou de lhe trazer a boa nova, a informação em primeira mão. Nesse momento, muitas casas estão recebendo nossas visitas. O quarteirão aqui está todo sob proteção especial. Estou incumbido de dizer que Vossa Excelência pode ser levada a Brasília assim que desejar, dentro de meia hora, ou amanhã. Mas o Alto Comando sugere que vossa excelência concorde com a sugestão, que o melhor será embarcar o quanto antes. Está tudo seguro e preparado.


Toca a campainha da porta do apartamento em São Bernardo do Campo. Lula faz ginástica: 6h30 da manhã. Lula vê pelo olho mágico e exclama: Puta que pariu! De novo, não. Aquele cara é mesmo do mal. Mas abre a porta bruscamente, está suadíssimo, e diz:
- Bom dia, vocês não estão atrasados? Seis e meia já.... Quem assinou a ordem de prisão? Foi o Moro, aquele tal Gebran ou foi o tal que pegou meu passaporte? Vou pra Curitiba, Brasília, onde é que é dessa vez?
- Bom dia, Lula. O golpe acabou. Estamos aqui por ordem da presidente Dilma Rousseff. Ele quer o senhor daqui a pouco em Brasília para a cerimônia da restauração, vai ser na rampa do Palácio do Planalto.
- Caraca! Não estou sabendo de nada. A Dilma por trás disso?
- Não, a presidente foi informada da restauração da ordem democrática às 6h da manhã em Porto Alegre. Nossa vinda aqui já foi decisão dela. Estávamos apenas a postos nas redondezas de sua casa. E ela confirmou o que o Alto Oficialato estimou que ela faria ao ser inteirada de que o golpe de 2016 acabou. Dilma Rousseff vai empossá-lo na Casa Civil ainda hoje...
- E a Globo? E as televisões?
- Tudo sob controle. Dilma Rousseff vai estar ladeada por representantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica em Porto Alegre... e vai entrar no ar daqui a pouco em cadeia de rádio e TV, às 7h em ponto, edição extra do Jornal Nacional sem ninguém da família Marinho palpitando sobre a edição histórica.
- E Temer e o Gilmar? Os militares já prenderam quantos?
- Só nesses primeiros 30 minutos foram efetuadas quase duzentas prisões nas 27 capitais... Está tudo sob controle. Gilmar não foi propriamente preso. Ele parece que pressentiu que o governo Temer se afogava e procurou as Forças Armadas em segredo, negociou não uma anistia, mas um salvo conduto, e permitiu que antecipássemos o contragolpe em mais de um mês. Pessoalmente acho que Gilmar não merecia esse acordo. Mas politicamente parece que ajudou a costurar o desfecho. Ele deu informações que anulam a totalidade da Lava Jato como uma farsa gigantesca contra o Brasil sob o pretexto de extinguir a corrupção.
- Mais alguém do lado de lá fez acordo com os militares pra escapar do crime de traição?
- Sim, apenas mais um. Além de Gilmar, o Nelson Jobim também entrou nesse pacote. Na verdade, os dois tramaram juntos e juntos procuraram o acordo com o alto comando das Forças Armadas. Os dois vão juntos sair hoje mesmo do Brasil num mesmo avião da Força Aérea. Sairão como exilados políticos sem direito a dar entrevistas e nem a dar adeus a ninguém...


Tocam na porta da casa de William Bonner. O apresentador acorda pensando que era alguma notícia envolvendo a ex, mas a Fátima também está recebendo visita semelhante não longe dali.
Como todos os envolvidos no processo de desestabilização institucional do Brasil, o jornalista é logo inteirado da reviravolta armada em defesa da Constituição de 1988. E ouve o coronel lhe dando orientações:
- Estamos convidando você e vir conosco para apresentar uma edição extra do Jornal Nacional que vai ao ar daqui a pouco, às 7 de manhã. Você topa ser o apresentador seguindo o nosso modo de edição?
- Tenho alguma opção? Vocês combinaram alguma coisa com o Ali Kamel ou com os meninos do Dr. Roberto?
- Nenhum dos quatro tem mais poder sequer para demitir você. Kamel deve estar nesse momento sendo levado enquanto olha para as Ilhas Cagarras. É pegar ou largar. A redação da Rede Globo está ocupada já há mais de uma hora. A operação encerrando o golpe de Estado começou às cinco da manhã em alguns casos, certos endereços especiais como o de certas emissoras e casas de certos juízes...
- E o que acontece comigo depois da edição extra?
- Você estará ouvindo os novos editores discutindo a evolução dos acontecimentos e, possivelmente, voltando a aparecer em novos plantões do JN ao longo do dia de hoje. Ainda não está claro se serão necessárias medidas excepcionais como lei marcial ou toque de recolher dentro do que prescreve a Carta Cidadã. Acreditamos que não. Temos indicadores estatísticos, pesquisas feitas em segredo, mostrando que o governo do impeachment estava já morto, com apoio apenas residual de altos funcionários públicos e de uma renitente alta classe média que sonhava que Bolsonaro pudesse liderar esse movimento militar no qual ele não tem nenhuma ingerência, nem direito sequer a piar.
- Bem, vou me trocar para seguir com vocês. Posso telefonar para o meu advogado?
- Nenhum telefone de parede e nem celular nessa sua bela casa está funcionando. O contragolpe se cercou de cuidados. Agora somos a sua comunicação com o mundo. Mas vai lá se trocar. Saímos em cinco minutos.


Toca a campainha em Curitiba. Atende um primo de Deltan Delagnol que se assusta vendo todos os quatro seguranças do procurador algemados ao lado de três oficiais do Exército. O sonolento exclama:
- Jesus Amado! Será que o Bolsonaro enlouqueceu? Fazer isso com a nossa gente? Mas o que é isso?
- Viemos levar preso o procurador...
DD aparece de robe de chambre, curvilíneo, perguntando o que está havendo. E ao se aproximar do hall vê surgir por trás dos três oficiais militares a figura um tanto gorduchinha do advogado Rodrigo Tacla Durán. DD tenta tossir, mas nem isso consegue.
- Senhor Deltan Dalagnol, o senhor está preso sob acusação de crime de Lesa Pátria e formação de quadrilha. Vamos conduzi-lo em segurança a uma unidade das Forças Armadas aqui perto de Curitiba. Em função desses tempos excepcionais e emergenciais, trouxemos da Espanha, em segredo, este homem que nos está exibindo provas muito mais contundentes do que as apresentadas inutilmente naquele depoimento de novembro na CPMI da JBS. Como estamos fazendo uma varredura de emergência para evitar contratempos e percalços, decidimos que você deve começar a ser interrogado numa acareação com o ex-advogado da Odebrecht de imediato. Você, a partir das informações que puder fornecer, poderá nos ajudar a evitar a prisão de pessoas inocentes ou não envolvidas dolosamente nesse descalabro que foi a Lava Jato.
- Estou atordoado, mas posso lhes garantir que isso não vai ficar assim não. Temos apoio não apenas da imprensa livre, mas também de forças democráticas dentro e fora do Brasil.
- As forças que apoiavam a sua Lava Jato com Moro, Carlos Fernando, Pozzobon, Janot, Marcelo Miller aqui dentro do Brasil se tornaram forças fracas, estão na mesma condição em que você está agora. Você está sendo preso com base no artigo 1 da Constituição Federal. As Forças Armadas decidiram, discretamente, superando pequenos percalços internos, invocar o dispositivo inicial da Carta Federal para, em nome do povo soberano, sustar essa desordem institucional que estava levando brasileiros a odiar brasileiros. E quanto ao apoio de forças externas, isso não cabe nem mais aos tucanos que também neste momento estão sendo retirados do Itamaraty e sendo engaiolados.


Avenida Vieira Souto. Seis da matina em ponto. O sol já nasceu pelos lados da Namíbia. O Atlântico já é de novo um belo espelho luminoso. Toca o interfone do apartamento de Ali Kamel. Atende uma velha empregada doméstica que ouve:
- Acorde o seu patrão e manda ele abrir a porta para ele ver quem está ai no hall de entrada.
Dona Katia explica que o patrão já acordou e ouve Ali Kamel perguntar da varanda da cobertura o que é que está acontecendo. Ao abrir a porta, o chefão de jornalismo da Globo se depara com três soldados, ou dois oficiais do Exército e da Marinha e um sargento da Aeronáutica. O oficial da Marinha todo de branco é louro de olhos azuis. O oficial do Exército tem traços orientais. O sargento da Aeronáutica parece um belo beduíno, e o nome não nega ancestrais: Luís Haddad Curi.
Ali Kamel mata a charada de imediato, passa em sua vida, num átimo, os lances polêmicos de racismo, do caso mais antigo envolvendo o seu livro dizendo que não há, e do mais recente na fala de William Waack contra os negros em Washington. Mas não há diálogo a prosperar. O hall de entrada também é hall de saída. E foi levado mais como um dócil carneiro do que como um resistente camelo no início de uma longa caravana em direção à Ilha das Flores.


Dois jipes e uma vã chegam à sede da fazenda, na verdade, os militares chegam e param diante de uma porteira, ao lado da qual há um posto, uma guarita não com um vigilante, mas três homens, misto de jagunços e funcionários públicos, assessores parlamentares. Rapidamente estes entregam as armas.
Os militares preferiram não fazer uso da pista de pouso, chegam ali por terra e avisam aos seguranças, que avisem na sede da Fazenda que já foram rendidos pelo artigo 1, e que ninguém ouse nada até que em instantes o sino no belo alpendre da Casa Grande avise que tem gente chegando... quinhentos metros à frente... e chegou.
Que casa linda. Um haras. Belos potros. Puro sangue. Os militares não sabem se aquilo ali é de Perrela, Andreia, Fred, aquele primo, ou um tio-avô, um concunhado. Dizem que é do Aécio, mas já pouco importa. A Claudio o que é de Montezuma, aeroportos sem utilização. Os homens de verde-oliva com o artigo 1, com o parágrafo único, aquele que diz que todo o poder emana do povo, e esses oficiais chegaram ali não apenas com a convicção – o que por si só seria uma temeridade... – mas chegam ali com uma certeza patriótica, a de que o helicóptero não teve nada a ver com Dr. Tancredo Neves.
Aécio não foi preso porque não estava disponível. A operação errou de fazenda.
Alarme! Um peixe graúdo continua ao largo!
Toca o interfone de Rosa Weber de Cubatão. O que é isso? É a sua prisão. Você disse que não tinha provas e prendeu. Está presa por absoluta afronta dolosa à Constituição. Domínio de fato é você com Moro, viu? Rosa Weber foi levada num caso raro em que o oficial no comando da equipe se exaltou. Repetia: A literatura nos permite levar você. Ele sorria. Simpático, a sensação é a de que empunhava uma bandeira, a vitória da Liberdade, a vitória de Dona Dilma conduzindo o povo, uma cena de Eugène Delacroix.


São seis da manhã também em Higienópolis. Ninguém foi capaz de avisar ao Príncipe? Que absurdo! Ninguém reage ao contragolpe. FHC foi levado quase a tapas! Tá na moda torturar idosos. Um primeiro tenente de Campinas deu a voz de prisão. Escolheram um militar falastrão para chefiar a operação.
- Eu tenho aqui em mãos papeis, provas de depósitos, swifts, uma montanheira dizendo que você pegou muito e foi muito blindado. Me mandaram pegar você porque sou um cara que não tem a menor noção das acusações contra você e contra Lula, mas por Lula eu rasgo um vagabundo no meio. Disseram só isso: Vai lá e leva. Pode falar desbocado com aquele vendilhão, E eu vim e levo. Tu é um herói pras tuas negas. Me disseram que tu levou milhões. Me disseram. Vai lá e pega. Aí, cara, eu obedeço ordens, e a sensação de obedecer é maravilhosa. Isso vai ficar na minha história: eu levei FHC.


Toca o interfone do Rodrigo Janot. Mas ele não estava em casa. O chefe da operação dá um sinal de zebra. O golpista não está em casa.
Alarme! Um peixe médio para pequeno continua ao largo!
O militar ouviu instruções. Fique aí, a postos. Temos informação de que Janot está por perto. Janot é tosco e sibilino, é misto de zarabatana e bambu. Café pequeno. Fica frio. Se não aparecer não vai fazer nenhuma diferença.
O contragolpe já sabe do trabalho de formiguinha que a inteligência americana promoveu ao longo dos últimos anos para arregimentar os seus agentes brasileiros amigos sem passar pela burocracia dos controles digitais nos aeroportos.


Às 6h08min toca a campainha da Doutora Raquel. Ela se espanta com a fala do oficial:
- A doutora acabou de chegar ao comando, mas chegou mal paca. Quer fazer palestra na UFMG ou na universidade federal em Floripa? Dra. Raquel! Até os legalistas que nas casernas acreditavam que a senhora podia ser uma surpresa deram o braço a torcer e se decepcionaram. A senhora está presa porque não se insurgiu contra as maluquices de seu inimigo Janot e manteve o mesmo padrão de afronta à Constituição. A senhora se igualou no nada. Está alijada do processo político nesse momento, mas sua pena nem deve ser tão grande. Estão acusando a senhora de ser só uma vacilona metida a Charles Bronson de araque. Mas como também frequentou também muito esses eventos de Wilson Center, Columbia, Harvard e Notre Dame, vai ser afastada preventivamente agora do processo... A senhora está apenas sendo levada a um confinamento. Mas eu nem preciso esconder: Havia alguns nomes no contragolpe constitucional querendo lhe dar o benefício da dúvida. Foram derrotados.
- Eu sou a PGR. Eu chefio a entidade que zela pelas leis, pelo cumprimento das leis. Vocês são uns loucos, vocês invadiram a minha casa, vocês estão cometendo um atentado contra a democracia, contra o MPF, vocês não sabem quem eu sou, novecentos procuradores votaram em mim, nem o Temer conseguiu me barrar. Vocês podem me matar, mas vamos tirar essa história a limpo. Eu vou sair dessa maluquice aqui e vou pegar vocês porque vocês não respeitam a lei.
- Nada disso, senhora Raquel. A senhora está sendo presa agora exatamente porque não fez e não faz o que a lei diz. A senhora é o contrário do que pensa que é. Quem aceita nomeação de Temer já em princípio é golpista. Queira nos acompanhar.


Seis e sete:
- Dra. Erika Marena, a senhora está presa em nome da Constituição Federal. O golpe da Lava Jato acabou.
- Isso só pode ser uma piada. Vocês são uns subversivos de merda. Antes de anoitecer vocês vão parar lá naquela mesma cela onde botamos o reitor Cancelier. Faço questão de que seja na mesma cela.
- Pode sonhar. Mas nem tudo é notícia ruim para o seu caso. O contragolpe não é vingativo. O objetivo é restaurar a democracia e procurar reduzir os danos. O seu caso, entretanto, é um pouco especial. Levantamos tudo o que a senhora fez, os males, as humilhações, os danos que seus métodos e de seus colegas representaram para a nacionalidade. E surgiu algo espetacular que creio é a notícia boa.
- Que porra é essa que você está falando?
- O desembargador Lênio Andrade, amigo de infância do reitor Cancelier, ajudou no contragolpe e fez um pedido insólito ao alto comando. Pediu para ser o seu advogado de defesa. Dr. Lenio, que jurou diante do corpo do amigo que tudo faria para ajudar o Brasil a sair dessa desordem inconstitucional, quer que a senhora delegada tenha todos os direitos de defesa garantidos. Ele quer que a senhora pague apenas o que deve. Talvez a senhora seja mais vítima do fascismo do que algoz. Acho que o Dr. Lenio endoidou de emoção quando foi inteirado de que o contragolpe era iminente e que os legalistas no MP, na PF e na judicatura vão ganhar muita relevância nos próximos dias, próximos meses. O contragolpe pensou em indica-lo a Dilma para que sugira o desembargador integrando o novo Supremo, mas são especulações ainda preliminares. Dilma, Lula, juristas legalistas e generais vão ter muito trabalho nos próximos dias. Por ora eu gostaria de saber se a senhora, para além do susto e da raiva deste seu péssimo momento, se aceita que Lenio Andrade seja seu advogado de defesa. Dr. Lenio quer expiar a própria dor defendendo quem ajudou a matar o amigo dele, quer dar a senhora o que a senhora não deu ao reitor. O desembargador quer ajudar no que for possível.
- Bando de porras-loucas, esquerdistas, corruptos de merda. Somos milhares de federais e estamos bem armados. Essa palhaçada vai acabar ainda hoje. Deixa o Franceschini e o Beto Richa saberem disso... Isso vai pegar fogo ainda hoje.
- Além desses dois que já estão presos, tem mais algum nome em mente para vir socorrer os heróis da Força-tarefa?
- Temos nossas armas secretas, o general Hamilton Mourão e até o Jair Bolsonaro.
- Isso é muito importante. Então me diga: a senhora participou daquele curso que o Departamento de Justiça promoveu no Rio de Janeiro em outubro de 2009, reunindo numa oficina cerca de cem procuradores, delegados federais e juízes? É incrível que ninguém da Abin ficou sabendo. Até hoje nem sabemos se o curso foi no Consulado americano no Centro do Rio ou se foi no Hotel Sheraton diante do mar...
- Não participei não. Mas do nosso time estavam lá o Sergio Moro, o Carlos Fernando e o Deltan.
- Podemos ir, Erika?


Toca a campainha numa casa perto de Bauru. Atende um irmão de Jair Bolsonaro. Ao ver aquele destacamento, pergunta se estão ali chamados pelo deputado em segundo lugar nas pesquisas.
- Não. Muito ao contrário, viemos aqui para ver se você pode nos dizer onde o Jair está.
- Estava aqui ontem à noite. Saiu em companhia de uma turma de apoio, incluindo aquela louraça da Joice Hasselman. Acho que estavam indo para Maringá.
- Você está exercendo algum papel na campanha do seu irmão?
- Não, nenhum. Meu negócio e consertar e vender móveis. A única vez que me meti com a política me dei mal. Me arrumaram um bico na Alesp e o pessoal do Silvio Santos apareceu aqui e me sacaneou.
- Foi seu irmão que arrumou aquele bico?
- Não. Ele mandou eu dizer que não. Mas eu acho que o deputado que me convidou queria agradar meu irmão. E acabou atrapalhando o Jair. Mas por que vocês estão procurando meu irmão a essa hora da manhã?
- Porque o golpe do impeachment acabou. Mas Bolsonaro é fonte de instabilidade.
- E o general Mourão?
- Esse colega já foi convencido. Saiu do século 19. Seus pares o convenceram de que errou. Vai botar pijama agora em março. Deve sair candidato a deputado federal em outubro.
- Então o fim do golpe não é ditadura militar? Vai ter eleição?
- Claro que vai ter. O contragolpe não é ditadura militar. Não, nada disso. Pode avisar o seu irmão para se apresentar. Em 30 dias, estimamos que estaremos todos de volta calminhos aos quartéis. E pelo que estimamos, a presidente Dilma, ela e Lula na Casa Civil vão pacificar esse país de forma espetacular.
- Pacificar com esse comunista do Lula?
- Lula, comunista? Puxa, a burrice na família Bolsonaro parece que é contagiosa. Lula é brasileiro e democrata. O que vamos ver nas próximas semanas é uma devassa nas corporações dos altos salários. Vai dançar muito juiz, muito procurador, pagarão multas, indenizações, afastamento, hoje estamos apenas prendendo os cabeças. Mas então é isso. Sua casa vai ficar apenas discretamente vigiada. Você está com seus telefones todos grampeados. E sem internet. Não queremos nada com você. Se o Bolsonaro ligar avisa que você está grampeado e peça a ele para se apresentar.
Alarme! Peixe graúdo, o Jair continua ao largo! Operação Maringá em ação!


Às 5h15 da madrugada, o capitão de Fragata Eduardo Nobre Couto da Cunha, amigo pessoal do almirante Othon Pinheiro, recebe o aviso para dar início ao contragolpe e efetuar a primeira prisão de um protagonista da campanha do impeachment.
- O Jardim Botânico é nosso!
Couto da Cunha sorri e se sente ainda mais confiante com a informação de que os sinais de TV e as redações das principais TVs abertas já estão em mãos dos militares constitucionalistas decididos a interromper a desordem moral e judicial que botou no Palácio do Planalto o governo de compadrio unindo a turma de Temer e Eduardo Cunha com a turma de Aécio, Gilmar, Serra, FHC, Parente e Alckmin.
Dez veículos acionam os motores em Curitiba. Dez minutos depois, os seguranças em torno da casa do Sérgio Moro se rendem silenciosamente no início de uma operação de condução coercitiva do juiz.
Tudo foi planejado com requintes de desagravos e mesmo de vingança dos mais vibrantes nacionalistas em Curitiba. No planejamento do contragolpe para encerrar abruptamente o farsesco impeachment de Dilma Rousseff, estabeleceu-se que tudo deveria ser feito de modo discreto, sem nenhuma espetacularização de pessoas que logo começariam a ser levadas presas a quartéis nos 27 Estados da República.
Apenas duas exceções foram definidas para ocorrer nos primeiros minutos. As duas únicas prisões de protagonistas levadas a cabo antes das 6h da manhã.
Moro, na República do Paraná, e o juiz Marcelo Bretas, na Lava Jato carioca, deveriam ser não apenas presos, mas algemados e postos na parte de trás de dois camburões.
A campainha não tocou no lar de Rosângela. Os militares apenas bateram com extrema firmeza na porta da casa. Vizinhos puderam ouvir o pá, pá, pá! Mas nenhum morador conseguiria telefonar e nem navegar. Os sinais também sob controle do contragolpe.
A porta foi aberta por uma empregada assustadíssima. Já sabia que iam levar o juiz outrora mais poderoso, mais famoso e mais elogiado por todos os grandes meios de comunicação. A doméstica nem sequer cumprimentou e nem nada perguntou aos militares liderados por Couto da Cunha. Apenas sussurrou baixinho fazendo um gesto com os dedos apontando em direção à copa e à cozinha:
- O Dr. Moro está lá na área de serviço.
- Antes de ser avistado pelos que iam prendê-lo, Moro ouviu o capitão Couto da Cunha falar alto, quase como se gritasse, ou como se narrasse uma emoção de rodeio.
- Juiz Sérgio Moro! O senhor está preso sob acusação de diversos crimes! E o mais grave deles, um crime de Lesa Pátria, foi grampear a comandante suprema das Forças Armadas e entregar o grampo para a Globo News. Levante as mãos que estamos entrando em sua casa.
Três segundos depois, Moro aparece obediente saindo do quarto da despensa. Nada diz. Ninguém quis ouvir nada que pudesse dizer.
Moro foi fotografado algemado dentro de casa e na calçada diante dela. Alguns vizinhos viram a cena das janelas. Outros saíram às ruas. Silêncio total. Ninguém usando camisa amarela.
Couto da Cunha fez um aceno a alguns desses moradores e voltou a exibir seus dotes de barítono:
- Bom dia, senhores. O juiz Moro está sendo levado preso. Ele não combateu a corrupção, ele de-sonrou a toga, fez mal ao Brasil, desrespeitou as leis e ajudou a botar no poder os mais corruptos dentre todos os principais corruptos. Vai pagar pelos seus crimes. Daqui a pouco vocês vão saber de detalhes na edição extra do Jornal Nacional. Vai ao ar às 7h da manhã. Daqui a mais ou menos uma hora os sinais de telefone fixo, celular e internet vão voltar ao normal. Um bom dia a todos. O golpe de estado era uma farsa e acabou.


Quase à mesma hora, operação semelhante levava no Rio de Janeiro, com algemas, o juiz Bretas, particularmente odiado por oficiais da Marinha pelo mal que fez contra um colega pioneiro que, na perseguição da construção do primeiro submarino nuclear, ninguém podia saber, precisava ter dinheiro cash, oficiosamente, porque o mercado da indústria de radioativos impõe por vezes operação secreta. Impõe por vezes, no submundo da inteligência, contratação de agentes, pistoleiros, algo caríssimo, perigosíssimo, envolvendo proteção de segredos e eliminação de espiões disfarçados de turistas, jornalistas, cônsules e empresários. O juiz Bretas não quis ouvir as razões de Estado. Negociou com procuradores que negociaram com oficiais de governos estrangeiros. Humilhou Othon que, por um milagre, não fez o mesmo que faria depois o reitor Luiz Carlos Cancelier. Impediram à última hora que o almirante Othon se enforcasse na prisão. Não tentava o gesto radical por depressão ou pela humilhação, mas para preservar segredos que temia que lhe pudessem ser arrancados nos porões da infâmia.


Às 6h05 os homens na capital pernambucana bateram à porta do solar onde Raul Jungmann tomava suco de caju e comia doce de jaca com queijo coalho. O ministro da Defesa nem foi à porta ver o que lhe reservava o contragolpe.
Continuava sentado na cozinha, degustando o breakfast quando sentiu um calafrio numa agressão verbal de oficial nervoso com a missão de prendê-lo e que não resistiu à tentação de proferir insultos.
- Seu ministro comunista de merda, nem comunista decente você consegue ser. Ruim de voto, ruim de liderança, capacho do Temer humilhando os nossos soldados enviados a combater traficantes de bermudas nas periferias das cidades.
. Jungmann de imediato sentiu que nunca mais seria nem ministro da Defesa e nem candidato a governador do Rio de Janeiro. Nunca mais seria nada, ou seria sempre o nada que sempre foi. Mas ousou perguntar:
- E o general Mourão, está por trás disso?
- Nunca vi um ministro tão burro e desinformado. Termina o seu lanche, e vamos... O seu amiguinho, amigo do Temer e do Padilha, o general Sérgio Westfalen Etchegoyen já está emudecido, está confinado desde ontem. A história de que ele adoeceu era mentira. Mentimos. Ele tentou ser um Eduardo Cunha das casernas, mas não deu certo, foi vencido, como foi o Mourão.
- Quem vai governar?
- Quem! Claro que é Dilma Rousseff, nem nutrimos simpatia por ela. Mas é a comandante, é a lei, é a democracia, é a Constituição, é ordem e progresso.
- Vocês vão ter um trabalhão pra controlar os que não concordam com isso que vocês começaram a fazer...
- Sabemos disso, mas o pior problema já foi superado. Tomamos a Globo e já prendemos Temer.
- Vão prender os banqueiros?
- Não. Seria perda de tempo. Temos sugestões para Dilma, convites para um grande debate envolvendo grandes economistas nacionalistas e nomes decentes como Ciro Gomes, Roberto Requião e o Lula.
- Lula não vai ser preso?
- Chega de conversa fiada, seu otário. Acaba essa porra desse café e vamos já pro quartel.
- Fernando de Noronha?
- Não, Corumbá. Vai fazer companhia ao Etchegoyen. Tem ar refrigerado lá, fique tranquilo.

(Ficção com fricção by Alfredo Herkenhoff)