terça-feira, 16 de agosto de 2011

Você e a internet, uma análise sobre sucesso e a arte de deletar

 Eu e a internet
 Por Alfredo Herkenhoff
Ter 4.999 facefriends não significa que sejamos uma tela dinâmica, um travelling vertical, um papiro digital se desenrolando como tapete de surpresas. Amigos no FB significam que você tem de lembrar o nome deles se quiser saber o que estão fazendo.

 Matematicamente, é impossível do ponto de vista material que o que você muraliza seja exibido a todos os seus 4.999 amigos. Não existe este tempo. Só passa o trailinho do que você muraliza para 20 ou 30 facefriends que interagiram com você nos últimos dias.  Ter 4 mil facefriends ou ter 400 é a mesma coisa. Só 30 ou 40 verão seus murais. Questão física.
 Tenho 4 mil facefriends: cada um põe dois murais em média por dia, eu gasto 30 segundos com cada um, ganho ou perco "2 mil meios minutos" nessa navegada, fora o tempo em que escrevo mentiras. Hoje deletei 150 nomes, mas antes vi o que cada um ex-facefriends vinha fazendo. É cansativo. Mas vale a pena compreender o tempo impossível, a experiência que se foi.
 Então estou lançando uma campanha, em vez de adotar um cão, ou um amigo do amigo, delete uma pessoa distante, que assim a pessoa deletada passa a ter a chance de se aproximar. Quem tem 4.999 facefriends fica com o coração lotado, não cabe mais ninguém. Isso é muito triste. Esvazie a sua lotação.

 Mas para deletar é preciso tempo, é preciso fazer uma avaliação íntima. Pegue um nome de uma pessoa conhecida ou não, veja o que ela tem produzido nos murais, seja de lavra própria, seja comentário, seja dica de cinema, indicações de vídeos, youtubes, essas coisas. Deletar equivale a um veredito,. Uma guilhotina digital. Você literalmente decepa um nome. Que desapareça em paz.

M\as não é tão radical, existe o perdão e o arrependimento, a reaproximação. Isso, porém, também não deve ser vulgarizado. Num de seus livros, Machado diz que o homem não deve se apaixonar duas vezes pela mesma mulher. Concordo. Sim, reatar uma relação é possível, um casamento, um namoro, mas apenas no âmbito da crise, de um conflito. Reincorporar um facefriends ou um grupo fechado no Facebook deve ocorrer, mas sempre é bom um pouco de parcimônia. Quase sempre a pessoa que irrita você no Facebook uma vez vai irritar outras. Não deperdice os seus perdões.  

O bom, ou o pior,  do ter 4.999 amigos é que todo dia tem em média uns 15 facefriends fazendo aniversário. E aí, tome gentileza, que gera mais gentileza. E nessa sucessão de mesuras, bons votos, lembranças, cheers, você pode um dia acordar pensando que burocracia da gentileza gera burocracia da gentileza.

Facebook também é o reino da burocracia da delicadeza.

 O que mais fascina no FB é a quantidade de comentários inteligentes. Pelo menos 1% das bobagens que a gente faz interessa a 2% dos 4.999 facefriends, e ai são aquelas 30, 40 ou 50 pessoas que viram e aplaudiram, não ficaram de pé nem bateram palmas.

 Há um estudo secreto (meu) mostrando que, com 4.999 facefriends, um comentário num mural equivale a cerca de 20 visualizações, mas  estas 20 pessoas não tiveram ânimo para se manifestar. E também quando um mural não recebe nenhum comentário significa que dos 4.999 facefriends um número muito maior viu sem que ninguém tivesse tido o ânimo de ser o primeiro a comentar. Ou, numa sintetização, um mural sem nenhum comentário significa que está sendo mais visto em silêncio do que um que teve cinco ou dez comentários.. 

 Celebridades da grande mídia tem uma visualização maior apenas como decorrência da fama, e não por pertinência de suas manifestações. Esse fenômeno é mais claro no Twitter.

 Mas, tenha você 4.999 amigos ou 95, ou 240, não importa, o  que vale é a qualidade do seu tempo na experiência de partilhar circunstâncias dentro e fora da internet.

 O Youtube é a grande ferramenta a dizer quem faz realmente sucesso dentro da Internet, ou seja, sucesso nascido dentro da rede. Não é sucesso de celebridade que saiu de Hollywood ou da Rede Globo e fica paparicando fãs e fazendo propaganda pessoal ou propaganda para a indústria do entretenimento. Não. No Youtube rola um fenômeno divertido. O sucesso dentro do grande anonimato.

 O cara bota um vídeo e num dia tem milhares de pessoas vendo e espalhando. A semana seguinte bota outro video, e aquele primeiro já tem 100 mil, e o vídeo do mês passado, meio milhão, o de três meses atrás, 2 milhões, e, às vezes, em 24 horas um vídeo de uma pessoa desconhecida já passa de 1 milhão de exibições. Tipos como Rebecca Black e Justin Bieber... 

 A grande mídia não costuma badalar esses fenômenos porque são concorrentes na guerra das audiências. Mas o mainstream está ligado. Felipe Neto, por exemplo, um desses mega sucessos no Youtube, já foi contratado pela TV Globo. Aparece na telinha há um mês, mas perdeu o vigor, não é a mesma coisa... No Youtube este ator Felipe Neto é muito melhor.

  Mas este sucesso intramuros na web não significa qualidade,  apenas sucesso, acontecimento. By the way, sucesso significa acontecimento, bom sucesso, mau sucesso, mas o sucesso foi tanto que o bom e o mau perderam sentido. Sucesso é o contrário de fracasso. E esta palavra  também tem seus encantos. Fracasso vem do latim e significa barulho, fragor, estardalhaço. Aliás,em italiano contemporâneo significa barulho intenso.

 O mais impressionante sucesso que cabe a cada um, merecidamente, é o silêncio. Mas este fenômeno, por envolver polêmica, o canto de João Gilberto, a reencarnação, a passagem para o Além, além de ateus e agnósticos, é um tema que só fica melhor quando você descobre que o café está cheirando e já chegou o pão quentinho.

 Bom Dia...

 Rio de Janeiro, Correio da Lapa, 16 de agosto de 2011