“Sou um daqueles russos que leem José Martí e Mario Benedetti no
original”
Por Elena Nóvikova, da Gazeta
Russa
Nascido em Havana, filho de funcionários da câmara de comércio
soviética, Sergey Brilev é vice-diretor do canal estatal "Rossiya" e,
agora, diretor do Instituto Bering-Bellingshausen para as Américas (IBBA).
O principal objetivo da organização não governamental baseada em Montevidéu é estreitar os laços entre Rússia e América Latina, sejam eles econômicos ou culturais. Para tanto, a instituição quer promover um maior conhecimento mútuo dos principais mecanismos de integração regionais dos quais esses fazem parte: o Mercosul e a União Aduaneira.
A primeira reunião do IBBA está marcada para o dia 14 de julho na capital uruguaia. Sergey Brilev falou à Gazeta Russa sobre os planos para o instituto:
Você é conhecido na Rússia principalmente por ser vice-diretor do canal estatal "Rossyia", pelo qual entrevistou Pútin, Obama, Bush, Tony Blair e David Cameron, entre outros. Onde fica a América Latina no meio disso tudo?
Realmente, as pessoas me associam mais com a agenda do hemisfério Norte. Mas não podemos esquecer de dois pontos: em primeiro lugar, a Rússia pertence geograficamente ao Norte, mas tem uma agenda mais parecida e próxima às dos países em desenvolvimento do hemisfério Sul, e compartilha pontos em comum com esses não só na economia, como até no modo de pensar. Além disso, sou, tecnicamente, um latino.
Por que tecnicamente?
Sou russo, considero-me moscovita, mas nasci em Havana e cresci entre Quito e Montevidéu.
Não foi uma escolha sua, em outras palavras...
Foi e não foi. Meus pais trabalharam na América Latina dos anos 1970 até os anos 1990. E eu sempre tive um profundo e constante interesse na região. Fiz muitas entrevistas com os presidentes de países latino-americanos: Bachelet, Chávez, Sanguinetti, Ortega, Morales, Correa e outros. Além disso, escrevi dois livros sobre a América Latina e inúmeros artigos científicos. E sim, sou um daqueles russos que leem obras de José Martí e Mario Benedetti no original.
O que é Bering-Bellinsghausen?
Bering e Bellinsghausen foram dois marinheiros russos dos séculos 17 e 19, respectivamente. Foram eles que completaram o mapa do Hemisfério Ocidental, das Américas: do Alasca à região antártica de Bellinghausen. As letras que formam a abreviatura da nossa organização, IBBA, parecem formar o desenho de um barco com asas. É preciso deixar que os ventos da contemporaneidade movam essas asas...
E quais são esses ventos?
Gostaria de citar um exemplo específico: o conhecimento da comunidade empresarial russa sobre a legislação das zonas francas do Mercosul. Mencionei o assunto durante conversas com diversos empresários russos que já operam no mercado sul-americano e percebi que eles nada sabem sobre os benefícios desses regulamentos. E a maioria deles não têm analistas especializados em assuntos regionais. Vêm para a América do Sul como para Europa ou Estados Unidos.
Por outro lado, os sul-americanos também não sabem sobre a existência da nova União Aduaneira, formada por Rússia, Bielorrúsia e Cazaquistão. Um dos objetivos do IBBA será apresentar orçamentos a empresas privadas e publicar relatórios detalhados elaborados pelos melhores especialistas nessa agenda. O relatório inicial será apresentado durante a primeira conferência do IBBA, em 14 de julho, em Montevidéu.
Como empresários que participam de fóruns como Davos não sabem sobre esses projetos?
É uma ironia, mas em lugares como Davos, russos e sul-americanos se reúnem para discutir a agenda global, mas quase não falam da própria agenda. Eles sabem mais sobre a União Eeuropeia e o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio do que sobre os projetos de seus próprios países. Falta um formato bilateral, e é preciso criar um fórum especial para tanto.
Além dos projetos voltados ao empresariado, em que áreas atuará o instituto?
Já iniciamos, em nome do IBBA, dois projetos relacionados à área de História. O primeiro será a organização de eventos comemorativos do 70º aniversário da vitória na Segunda Guerra Mundial, e o segundo, uma conferência com historiadores russos e latino-americanos sobre cooperação durante a guerra.
Houve trabalho conjunto entre Rússia e América Latina na Segunda Guerra Mundial?
É disso que trata meu último livro, “Os Aliados Perdidos”. Mais de 50% do açúcar consumido na URSS durante a guerra, por exemplo, era importado de Cuba. Então, diziam que isso era parte do Lend-Lease, ou seja, o programa de empréstimos norte-americano, mas, na verdade, o açúcar era cubano. Outro exemplo foi a defesa dos submarinos soviéticos no Pacífico, que foi efetuada pela Força Aérea hondurenha em 1942.
Quais outros projetos serão realizados pelo IBBA?
Tentaremos estrear na América do Sul três ou quatro filmes russos produzidos pelo meu canal. São documentários de interesse geral relacionados às explorações geográficas atuais, além do filme "Stalingrado", que foi a grande estreia do ano passado e contou com a participação de grandes estrelas russas e alemãs. A legendagem está em fase de finalização.