quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Boate Kiss e a experiência argentina e americana


De roldão no rol dos réus

A pior que ameaça acontecer depois da tragédia da Boate Kiss é a Justiça Brasileira, no alto da sua petulância leniente e condoreira, concluir lenta ou rapidamente que o aspecto culposo da matança deve prevalecer sobre a irresponsabilidade dos acusados culpados, estes que já começaram a se defender com a velha cartilha que é dizer: uma fatalidade!

 
Nos últimos dez anos, ocorreram duas tragédias exatamente idênticas: fogo de artifício da banda, fogo rápido a partir do teto e pânico, com pisoteamento, fumaça e só depois o fogo a queimar os já mortos e os últimos vivos encurralados. As duas ocorrências desses dez anos foram 190 e tantos mortos na Argentina e 100 mortos nos Estados Unidos dos 500 jovens dentro da ratoeira em Rhode Island.

Da Argentina, uma lição maravilhosa: todas as boates do país foram fechadas e só reabriram depois de estarem dentro de padrões tidos hoje como dos mais seguros do mundo. 

 
Nos Estados Unidos, sim, foram poucos anos de cadeia para os condenados, dois anos ou três anos, o resto da pena transformado naqueles trabalhos comunitários e tal. Mas dos Estados Unidos temos a lição maior e mais importante para o Brasil. 



 
A primeira lição americana: a Justiça e seus investigadores avançaram na responsabilização abrangendo além dos donos da boate também os seus "stakeholders", isto é,seus sócios, fosse uma pessoa, comunidade ou instituição com qualquer tipo de interesse relativo a determinada atividade, no caso, aquela casa noturna, aquela festa. Por exemplo, quem produziu ou vendeu a forração, o teto de espuma que abafa o som, com material rapidamente inflamável, pode ser condenado por eventuais tragédias. Por que tal tipo de material de fácil combustão? E por que avisos não claros sobre tais riscos? .Do mesmo modo, produtores de equipamentos de iluminação, itens de pirotecnia. Esses fabricantes também de roldão no rol dos réus. Até empresas fornecedoras de bebida alcoólica estão no rol dos acusados. Processos em curso.

 
Mas o mais espetacular da experiência do grande desastre dos100 mortos na boate americana foi a câmeras de vídeo, um sobrevivente escapando e registrando tudo, do começo do caos do fogo já infernal ao inferno literal.
 

 Quando o fogo começa, os jovens americanos, bem educados, começam a se retirar calmamente, civilizadamente, seguem o ditado romano, apressa-te lentamente, .ou festina lenta, fazem como mandam nesses treinamentos de evacuação... Mas, putz, o fogo, principalmente a fumaça, avança rápido demais. Em um minuto, você vê o caos e os semblantes dos jovens mudando, o novo ritmo dos passos, eles sabem que correr produz estouro, pisoteamento, mas vão apressando e apressando. Com 90 segundos de vídeo, a fumaça se adensa em força e volume, já está matando geral. E o vídeo, a cada minuto, mostra o caos crescente transformando-se em morte inclemente.. Há um momento em que, perto da saída, a porta logo ali, a esperança ali, mas, em vez da porta, do ar, em vez do vão da salvação, vê-se uma barreira humana, corpos intransponíveis, de vivos e mortos, empilhados e se empilhando, os últimos movimentos, o balé do desespero mais macabro.
 
Suponho que ocorreu exatamente isso em Santa Maria e, pior, já há suspeita de que os bombeiros, chegando ainda sem a devida informação, mandaram jatos d’água numa trincheira de jovens mortos quase à saída, impedido que os últimos sobreviventes deixassem de ser moribundos. Mas mesmo que isso tenha ocorrido, como alega um dos assassinos da boate Kiss, não foi fator preponderante para nada. 

 
O vídeo americano mostra que a pequena hecatombe com fumaça e pisoteamento ocorre em menos de três minutos, depois só gritos e as labaredas lambendo as últimas sobremesas. Bombeiros nunca chegam antes de quatro a cinco minutos.

 
Se um empresário no Brasil entra, entrou ou quis entrar no ramo de casas noturnas, tem de estar antes bem informado, tem ou teve a obrigação de conhecer esses fatos da Argentina e dos Estados Unidos. Estamos todos globalizados. 

 
Já vou concluir: o Brasil não precisa de uns poucos heróis, nada de bombeiros heróis, mas sim bombeiros bem preparados. E o preparo começa pela fiscalização. O Brasil não precisa de fiscais rigorosos. Os mais rigorosos costumam ganhar mais grana fazendo vista grossa. O Brasil precisa de fiscalização preventiva. É melhor prevenir do que remediar. Será que não punir ninguém na esfera pública será o mais provável depois de Santa Maria? Não creio. Se for isso, novas tragédias nos aguardam. Quero pelo menos um bombeiro preso, pelo menos um fiscal da prefeitura de Santa Maria na cadeia. Melhor que fosse o prefeito...

 
Para começar a prevenir, minha cara Dilma Rousseff, uma MP, por favor, uma Medida Provisória: aproveita o carnaval e fecha tudo. Folia só na rua. E depois da ressaca, casa noturna só reabre dentro dos padrões argentinos. 

 
Bem, pelo sim, pelo não, postei o vídeo cruel.Nem sei se é original, mas me pareceu pedagógico.

(Alfredo Herkenhoff, Correio da Lapa, Rio de Janeiro)