quinta-feira, 8 de setembro de 2011

2011: Dez anos do 11 de setembro: guerras, terrorismo e jornalismo

 Vietnã, Malvinas, Ruanda, Kosovo, NY, Iraque


  (Trecho do meu livro Jornal do Brasil, Memórias de um secretário, de 432 páginas com fotos, lançado no segundo semestre do ano passado, quando o JB deixou de ser impresso, dando  Adeus às Bancas. O livro conta histórias e loucuras deste e outros veículos.)


  O 11 de setembro de 2001 representou, no próprio ato de ataques a símbolos do poderio americano, um marco nas relações internacionais e o enfraquecimento da influência da ONU, que já vinha atuando a reboque das crises entre os povos. O terrorismo, arma do desespero, da covardia e do desprezo pelos inocentes, é antigo como o quê. Hoje, recrudesce como recurso suicida de fundamentalistas contra governos centrais, em especial Washington e Moscou.
 A reação americana era previsivelmente grandiosa como foram os atentados de 11 de setembro. O que causou surpresa, num primeiro momento, foi a maneira emotiva como os americanos se perguntaram não por que foram atacados, mas como os terroristas puderam atingir o Pentágono e o World Trade Center. Como se obedecesse ao script dos fundamentalistas, o governo americano produziu um efeito negativo para a imagem do país, com retrocesso nos direitos civis.
 A imagem dos governantes americanos se deteriora no planeta, tratado como um tabuleiro no qual podem circular, exibindo armas, sem autorização da ONU. Essa autonomia gera notícias diárias no mundo. Para alegria dos editores, que sabem que good news, no news, as bombas dos terroristas e os bombardeios dos Estados Unidos são um espetáculo visto em tempo real.
 Em fins dos anos 60, na Guerra do Vietnã, cidadãos americanos viam, pela TV, na hora do almoço, seus filhos morrerem em filmes registrados 24 horas antes no Sudeste da Ásia. Era o sangue vindo de avião no videotape. Na Guerra das Malvinas (Falklands), 1982, os repórteres britânicos, embarcados em belonaves da primeira-ministra Margaret Thatcher, enviavam, do Atlântico Sul para o mundo, reportagens que passavam antes pelo crivo de censores militares britânicos. Na Guerra do Golfo, em 1991, pela primeira vez se viu bombardeio em tempo real, via TV. Não tínhamos internet, mas a guerra no Kuwait se assemelhava a um videogame Atari, com os alvos azul esverdeados dos iraquianos sendo atingidos pelos mísseis e bombas dos americanos. Na tomada de Bagdá, em 2003, tivemos, em grande escala, o que já se vira, embrionariamente, em 1999, quando os americanos, sob a liderança de Bill Clinton, livraram a minoria muçulmana de Kosovo e os albaneses da ira dos sérvios cristãos no coração da Europa. Para isso, atacaram até o centro de Belgrado. Nesses  bombardeios, já havia um fluxo quase contínuo de informação. Mas foi na tomada de Bagdá que os informes do Pentágono passaram a conviver, lado a lado, com informações incensuráveis transmitidas por outros pólos, como a TV Al Jazira, ou por meio da internet e de toda parafernália digital hoje disponível a preços populares. Essa explosão de imagens ao vivo e comentários contraditórios sobre a guerra do Iraque não tem precedentes na história.
 Saddam foi capturado, mas na esteira do ataque americano, crianças mutiladas pelo terror são, 30 minutos depois, mero arquivo de fotografias diagramáveis nas capas de jornais dos cinco continentes. Tudo é mostrado na velocidade da internet. Nada escapa de canal nenhum. O mundo atordoado procura saber em que momento essa volatilidade visual do terror pode afetar de vez o atual ciclo da globalização.
 Do mesmo modo que todo mundo sabe dos riscos do tabagismo e da Aids, todo mundo sabe dos riscos de virar refém de terroristas. Todo refém estrangeiro no Iraque sabia antes de ser apanhado, que, na linguagem do terror, quanto mais inocente melhor.
 Na linguagem jornalística, quanto mais guerra, mais espaço editorial, mais chamada na primeira página. No tempo da Guerra Fria, os grandes jornais tinham quatro ou cinco páginas por dia para a editoria internacional, e todas sofriam alterações de primeiro e segundo clichês, tamanha a tensão entre as superpotências. Findo o regime soviético, sobreveio a chamada Pax americana. As páginas internacionais foram reduzidas a duas, ou uma e meia.
Mas, ainda na era  Clinton, 1 milhão de africanos foram massacrados em conflitos tribais de poucos meses. Só os satélites americanos viram Ruanda em tempo real. Os leitores de jornal, a ONU e os cidadãos dos EUA pouco puderam fazer. Pouco saiu no jornal.  Pouco se viu na internet sobre uma hecatombe envolvendo pobreza e silêncio.
 Com o terror como o inimigo público número 1 do mundo, o noticiário ganha, ameaçadoramente, mais e mais páginas ávidas de sangue e manchetes de ódio. As páginas são ávidas, os leitores, talvez não. Militares e jornalistas não podem garantir para onde caminha a humanidade. As respostas podem estar mais na tolerância entre as culturas  e as religiões do que na inteligência e sofisticação de armamentos. A internet talvez exerça papel positivo nesse quadro de insegurança mundial. Mas não há nenhuma garantia de que possa.


Sobre o livro Jornal do Brasil, Memórias de um secretário,  escreveu Nilo Dante:

     Pautas & Fontes reflete a jornada de Alfredo Herkenhoff através do fascinante universo que foi, um dia, a redação do Jornal do Brasil.
     O relato é caudaloso e emocionado. Não se isenta da nostalgia. Mas passa ao largo da amargura, embora o autor tenha sido testemunha e vítima do naufrágio a que foi conduzido o antigo colosso da imprensa brasileira.
    Herkenhoff evita aprofundar-se nas águas da debacle empresarial. Pouco se detém na insensatez das causas e ou no aventureirismo dos efeitos, ambos por demais conhecidos. Seu facho de luz prefere mirar a galáxia infinita de um grande jornal  (ainda que às voltas com a agonia) e seus habitantes siderais.
     Manejando habilmente o estilo anotações-de-repórter, ele produz uma viagem voluptuosa que não se obriga à cronologia. Embriaga-se na emoção. Ao fim da travessia, Herkenhoff ancora seu turbilhão pessoal em profunda (e merecida) reverência aos dois colegas de profissão que mais o impressionaram: José Gonçalves Fontes e Oldemário Touguinhó. 
     Esse par de ases da reportagem surgiu na Idade de Ouro da Imprensa Brasileira, período que nasce no big bang dos anos 50 e termina no vendaval falimentar dos anos 90, quando os jornais brasileiros, de pires na mão, buscaram socorro na velha UTI do BNDES, com o fracassado Promídia que tentaram emplacar em 2003.
     Touguinhó e Fontes descendem, em linha direta, da estirpe dos grandes repórteres que marcaram os anos 40 e 50. Tornaram-se dignos sucessores de Joel Silveira, Samuel Wainer, Rubem Braga, Caio Júlio César Vieira, Carlos Lacerda, Edmar Morel, David Násser (a estrela máxima da constelação), Ubiratan de Lemos, Arlindo Silva, Luciano Carneiro, José Leal, Geraldo Romualdo da Silva e outros craques exponenciais da Profissão Repórter, nos quais a memória não me socorre.