Fui contra o projeto Ficha Limpa e com isso
só arrumei desavença e deselegância nas ferramentas sociais. Comigo
estavam os juízes Marco Aurélio e Celso de Mello; mas foram votos
vencidos. Não tiveram
a audácia de
considerar um brasileiro como ficha suja enquanto a ação não tiver
transitado em julgado. Mas seus pares preferiam destroçar o brocardo
romano do
in dubio pro reo. Sob pressão da sociedade, o Supremo decidiu
que bastará para ser ficha suja quando uma pessoa tiver sido condenada
por um colegiado de instância inferior. O Supremo abriu mão de seu
próprio direito de dizer:
Roma locuta, causa finita.
O Supremo
já fez muita lambança neste país e continua fazendo. Já chancelou o
Estado Novo, entregou Olga Grávida aos fornos crematórios, apoiou os
atos institucionais da ditadura de 64 etc e tal.
Só pra dar um
exemplo do mais implacável dos judiciários de nações democráticas: A
Justiça dos EUA permitiu que um assassino famoso, um negão do beisebol,
ficasse livre das grades e da pena capital não por falta de provas. Toda
a sociedade americana queria a prisão de OJ Simpson por matar a sua
mulher, uma lourona, mas os juizes preferiram deixá-lo ao largo porque
as provas contra o réu tinham sido colhidas de forma criminosa.
Preferiram deixar um assassino solto do que absolver uma afronta à ordem
jurídica.
Aqui no Brasil estamos vivendo o mesmo drama hoje: o
Supremo por exemplo diz que juiz que absolve não vota na apenação do
condenado. Uns três ou quatro ministros não votaram por exemplo a favor
de uma punição mais pesada para determinado réu condenado. E os outros
votos vencedores conseguiram apertadamente a condenação mais severa.
Sim, quem absolve não vai condenar a uma pena específica de prisão
pouco depois. Mas o simples fato de um juiz ter absolvido devia ser
considerado como voto a favor do réu na dosimetria. Os votos de
absolvição deviam ser computados como contra a pena maior. Ou seja, não é
nem desrespeito ao
in dubio pro reo que está rolando nessa Ação Penal
470, é pior: é a aceitação de convicção de inocência por parte de um
magistrado como causa subsequente de aumento da pena de prisão.
José Dirceu nos anos 60
Para a Judiciário alemão, Hitler era inocente enquanto mandava
exterminar nossos irmãos judeus em1939. Para o nosso Judiciário, o Poder
Executivo era legitimo enquanto José Dirceu arriscava a vida matando e
vendo amigos morrerem em nome de idealismo político nos estertores do
comunismo soviético, e tudo isso num momento em que a grande mídia
apoiava o operação militar que empalmou o poder na marra.
José
Dirceu blindou Lula no Mensalão. Foi blindado por Delúbio e por
Pizzolato. Mas o Supremo, diante do fracasso da Mídia em mostrar que
Lula sabia do esquema, optou por sancionar de novo os tubarões da
imprensa e condenar na base da presunção, base dos indícios. O Supremo
abriu mão, como no caso do projeto feicibuquiano da Ficha Limpa, de mais
uma máxima romana e universal: o que não está nos autos, não está no
mundo do Direito.
Barbosa, ungido a herói, já lançado a
candidato presidencial, prefere tratar da coluna nos melhores hospitais
da Alemanha. Para ele e seus pares, o SUS é coisa nossa. Para mim,
Barbosa, sim, no uso de suas atribuições, tem se excedido no linguajar,
constrangendo seus pares, mesmo aqueles que acompanham o seu voto sempre
inclemente, aparentemente eivado de ressentimentos históricos. Sem nada
de pessoal, Barbosa está me saindo um verdugo, um capitão de mato ao
contrário, caçando e humilhando o maior amigo de Lula como se José
Dirceu fosse um bandido comum.
Napoleão dizia que pra ganhar
uma guerra você precisa de três coisas:dinheiro,dinheiro e dinheiro. Um
coronel baiano dizia: em política não existe crime,só existe eliminação
de obstáculo, que pode ser1: a lei, que se burla, e que também
condena. 2: a imprensa, que denuncia o escândalo, e 3: o candidato
adversário.
Zé Dirceu não está sendo condenado pela legislação
brasileira, mas pela imprensa que incensa a presunção de culpa em
detrimento de uma Justiça Universal. Por tradição, nosso Supremo prefere
ficar sempre bem ao amparo de algum tipo de poder, ora do Poder
Executivo, ora da grande mídia.
Pessoalmente, creio que Dirceu
sabia de tudo o que rolava. Mas ele estava fazendo a guerra suja da
política, não estava assaltando nenhum cidadão na esquina nem brincando
de fazer a política limpinha no ar refrigerado dos Três Poderes. Ele
estava ajudando Lula como nós, eu e a maioria, fizemos dando-lhe o
segundo mandato e aceitando Dilma como a melhor delfim. Milhões de
pessoas deixaram de morrer de fome ou de outra míngua qualquer graças à
ação desse belo porra-louca chamado José Dirceu.
O linguajar
quase ininteligível que os ministros usam entre si dá bem a dimensão de
quão distantes estão da realidade das ruas. Por presunção, poderiam ter
condenado também Lula, o Metalúrgico. Mas não tiveram culhão ou não
quiseram superar (PF e MP) a blindagem heróica que José Dirceu armou
para o maior líder brasileiro dos últimos tempos.
Na guerra
suja da política, Nixon se envolveu com meia duzia de cubanos pra
arrombar o escritório do concorrente Partido Democrata em Washington.
Impeachement à vista, Nixon renunciou. Mas teve antes a humildade de ir
a Pequim reconhecer a liderança de Mao e a humildade de sair derrotado
do Vietnam ao som do ricocheteio das metralhadoras que Moscou enviava a
Ho Chi Min. Hoje Nixon é homenageado em todas as universidades
americanas.
De público declaro a minha solidariedade a Dirceu
e Genoíno. O componente político falou nas tecnicalidades desse
Supremo com um histórico de execrável tradição, tanta absolvição e tanto
omissão diante de verdadeiros verdugos da população pobre do Brasil.
Temo que, embora não seja nossa tradição, que o raro caso de Getúlio
possa estar prestes a novamente acontecer na esteira do
Mensalão: sangue, suicídio e mar de lama, honra e homenagens da
História. Não da parte de Dirceu, que prefere morrer matando a sair da
luta. Mas da parte de outros levados de roldão nessa forma enxovalhada
de promover justiça de ocasião.
Antevejo num futuro não muito
distante o nome de José Dirceu sendo homenageado como um político
brasileiro, com um pouco de Maquiavel, um pouco de Roberto Jefferson, um
pouco de Policarpo Quaresma, e quase nada de Dom Quixote. Sim, prós e
contras, mas um homem que ajudou Lula e o povo mais pobre que todo dia
sofre os maus-tratos da classe governante. legisladores, executivos e
magistrados. Um homem que ainda será estátua, um homem, mais um raro
que não foge à luta.
Por Alfredo Herkenhoff