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Até Maísa dança
Funk do Jeremias
Se eu pudesse-eu-matarra mil
Gente safada tem que morrer
Ei ei ei ei... Parei no inferno
O cão foi quem botou pra nós beber
O Funk do Jeremias é hoje provavelmente o som de vídeo brasileiro no Youtube mais ouvido em todos os tempos da categoria na ferramenta da Google Company. O som do Funk do Jeremias foi inventado em Copacabana, ali por volta de 2004 ou 2005, sob a liderança de Pedro Herkenhoff, com assistência de Rafik (Rafael Armenio), Rafael Grego e Mack, todos sob influência do trash, precursores ou simultâneos do Pânico Na TV. São deles outros funks de qualidade duvidosa e sucesso imediato como o Funk do Tapa na Pantera e aquele que rima pipoca e guaraná.
Mas o Funk do Jeremias bombou imediatamente Brasil afora, e essa turma de Copacabana não quis nem saber de nada, ficou lá na casa de Rafa produzindo alguns belos CDs de samba como o do MC Partideiro, sambista mangueirense e filho do velho e saudoso Bezerra da Silva, e produzindo algumas faixas de soul music para um belo disco de um cantor africano cujo nome agora me escapa. Os rapazes nem se deram ao trabalho de divulgar ou se promover, pensar num tipo de marketing qualquer. Nada, apenas enviaram o som para alguns sites funkeiros e só uns dois anos depois botaram no Youtube seus nomes, timidamente, quando já estava bombado o som original em vários videos nesta ferramenta fascinante da era digital.
A história do Funk do Jeremias é mais ou menos assim: Um belo dia, os jovens viram um vídeo trash, uma reportagem da TV de Caruaru com um jovem embriagado e preso pela polícia em Pernambuco. Acharam graça e resolveram musicar as falas do jovem preso. Imediatamente o sucesso levou outros criadores de música eletrônica a usar aquele original sonoro em vídeos diversos, muitos semelhantes ou iguais, apenas formulando às vezes pequenas variações no funk, e assim foram incontáveis outros filmetes, muitos deles com Jeremias como Geremias em sites, blogs e novas ferramentas como Facebook ou My Space.
A mais surpreendente apropriação do som original nascido em Copacabana foi feita há cerca de um ano com a Maisa, a menina estrela do SBT de Sílvio Santos.
Mas o funk de Pedro Herkenhoff e Rafael ilustra fillmetes com Chávez, Kiko, professor Girafales, políticos, celebridades, Lula etc e tal. Quem se der ao trabalho de ver quantas vezes o som deste funk em vários vídeos já foi ouvido, descobrirá algo em torno de 20 ou 30 milhões de hits... Suspeito que seja recordista disparado no Brasil, categoria lixo funk.
Para os mais atentos, observe-se que na apropriação do som da reportagem original de uma TV do Nordeste, a voz do jovem embriagado, aliás, um bebum extremamente simpático e bravo, foi toda modulada pelo funk, algumas modulações bem sutis, outras grosseiras, muitas inversões e repetições vocais, sons ficaram ora menos ou mais agudos, quase miados estridentes, por vezes ficaram melodiosos, enfim, um perfeito lixo que se tornou um embalo de repetições. Aliás, o funk, quase sempre, como a disco music, tem no replay dos batidões uma metáfora do batimento cardíaco. E este som até hoje é remixado várias vezes por novos jovens num processo que parece longe de ter um fim.
Embora eu seja suspeito para elogiar por ser pai de Pedro, o autor, desconfio que eles inventaram o pior funk de todos os tempos, e por isso mesmo, criaram um clássico do trash...
Há alguns anos, sugeri ao Pedro e seus amigos que trabalhassem em cima desse trash que talvez houvesse alguma serventia profissional futuramente. Mas ele se lixaram para o conselho nada funkeiro. Eu disse a eles que poderia falar com o amigo Tárik de Souza no Jornal do Brasil ou algum colega de O Globo para pautar, pelo menos registrar o fenômeno, o sucesso que, àquela altura, tinha apenas quase 10 milhões de hits no Youtube.
E hoje, sob os eflúvios da festa para 3 mil talheres, para a qual aliás o Correio da Lapa não foi convidado a enviar representante, com os anfitriões Lula e Dilma Rousseff servindo o prato sem graça do pré-sal eleitoral, resolvi postar, num contraponto com a irrealidade dos sonhos e da propaganda, essa história verdadeira: a construção diuturna do mau gosto nacional. Não surpreenderá ninguém se alguém usar o Funk do Jeremias para amanhã ilustrar a reportagem da festa dos 3 mil convidados do pré-sal.
Rafik , Pedro Herkenhoff e Rafael Grego tentaram levar adiante uma microempresa chamada R.E.E.O Records, mas foram muitas as dificuldades, despesas com aluguel de sala em Copacabana, impostos, burocracia, inexperiência, cobranças e principalmente uma tendência entre os jovens no mundo virtual: nada se compra, tudo se copia, se pirateia, e assim milhões deles no mundo inteiro vão levando a vida nesse Pânico no YouTube e no ibope das grandes redes de TV, vão levando esses jovens entre alguns frilas e muitas invenções.
Pedro, avisado de que eu iria postar essa história, me enviou o seguinte email agora há pouco de seu trabalho no Centro Rio, dando alguns pequenos esclarecimentos sobre a história: "Ainda tenho trilhas de áudio etc. A história resumida é mais ou menos isso: coloquei a mp3 em em um site brasileiro chamado Videolog, uma espécie de sucessor do Fotolog, que era o fenômeno da internet antes da explosão do Youtube. Depois de uns dois meses, o blog kibeloco.com.br (maior blog de humor do Brasil) postou o som, e mais tarde um cara de um forum chamado Adrenaline (www.adrenaline.com.br), uma espécie de comunidade de "geeks" e gamers em geral, fez o video e então colocou no Youtube. Meu lance é só o som, não o vídeo..."
Como uma homenagem ao trash dessa galera íntima, perpetrei uns riscados na mesma linha do Jeremias. Ei-los:
Eu sou o doido
Eu sou o índio
O cachaceiro
Sou Jeremias
O brasileiro
Eu matei tu?
Tei tua mãe?
Seu pudesse
Eu matava mil
Eu sou eterno
Eu sou moderno
Eu dou vexame
Eu uso terno
como quem faz
exame, às vezes...
de fezes... Claro...
Eu sou da noite
Um amor enluarado
Eu sou eu
O psicólogo
do Diabo
Sou a fila no hospital do governo
Eu sou a fila na escola pública
Faço propaganda da maldade
no bairro mais chique da cidade
Eu sou homem
Eu sou mulher
Eu sou velho
Eu sou criança
Eu sou gay
Sou sapatão
Eu sou você
Que confusão
Eu sou a contradição de querer
Sou o desejo de melhorar
Mas tá foda
Tá difícil pra caralho
Ou você é alto funcionário público
Ou carta fora do baralho
Sou da iniciativa privada
Sonego, não pago mais nada
Não agüento mais tanto imposto
nem político maquiando rosto
Também sou ternura
Amamentação
Lutando pra ajudar
Pai, filho, irmão
E levando essa conversa
conheci a tal de Ivete
De repente ela gritou
Eu quero pintar o sete
Quero pular a cerca mental
Que me separa do carnaval
Acho que vou superar
Isso aqui tá uma merda
Mas está legal
Ivete toda dengosa
vai gritando toda prosa:
Sete cinco nove! Sete nove cinco
Faz de conta que faz conta
Minha conta é na moral
Pra querer é começar
Um beijinho é normal
E assim Ivete cantava
E eu não mais pensava
que fosse doido ou índio
E mais, tive certeza
Doida e índia era ela,
Mas que mulher bela
Uma cachaceira
Mulher brasileira!
Ah! Ivete! Pena que não está mais aqui!
Xi! Olha ela aí de novo!
Correio da Lapa
Texto e versos de Alfredo Herkenhoff